As dimensões racista, xenófoba, misógina ou globalmente autocráticas | João Mendes

Há quem não compreenda as dimensões racista, xenófoba, misógina ou globalmente autocrática – to name a few – do Chega. Pior: há quem as compreenda, compreendendo também as consequências que daí resultam, mas opta por desvalorizar e normalizar, por ódio à esquerda, por simpatia envergonhada pelo Chega ou por comungar do mesmo ideário. Ou por todos estes motivos. E mais alguns.

Daqui salta-se quase sempre para a vitimização. E uma das modalidades de vitimização mais comuns é esta: então e a extrema-esquerda? Quando me deparo com esta sobrevorização do papel de micropartidos como o MRPP ou o MAS, fico sempre perplexo. Bem sei que o MRPP defende a morte dos traidores, mas será que alguém os leva a sério? Têm relevância política? Recebem financiamento significativo que possa transformar estes partidos numa ameaça real? Não, não e não. Três vezes não.

Depois percebo que estão a falar do BE e o PCP. E pergunto-me, como pergunto a essas pessoas, quando me cruzo com elas, que ameaça representam estes dois partidos. Raramente obtenho uma resposta clara e objectiva. Só frases feitas e clichés. Aparentemente, o BE quer impor uma ditadura em que todos temos que ser gays. E quer sair da Europa. E do Euro. Raios, isto é uma grande ameaça! Imagino-os logo na rua, de cabeça rapada, a espancar transeuntes pelo seu europeismo. Fico até com algum medo, na medida em que sou acérrimo defensor da UE, e a seguir posso ser eu.

O próprio PCP, a quem devo em parte a minha liberdade, é também uma enorme ameaça. Quer mais direitos para os trabalhadores, melhores salários e mais autodeterminação, para além da rejeição da pertença às organizações internacionais como a UE e a NATO. Mas, como me dizia há dias um anarquista, o PCP já não é o que era. É, segundo ele, um partido de direita. Ri-me para dentro, não fosse apanhar duas lostras, e deixei por ali.

É verdade que o PCP tem momentos pouco recomendáveis no seu passado. Mas o PREC foi há 45 anos. E, desde então, moderou-se, defende um regime pluripartidário, afirma-se confortável com a existência de uma economia mista e tem sido um dos mais acérrimos defensores da Constituição. Defende a autodeterminação de regimes totalitários? Defende, e isso, a meu ver, é inaceitável. Mas quem é que, à direita, defende um corte de relações com a China? Quem é que, à direita, põe em causa o poder de Xi Jinping? Quem é que, à direita, se opôs a venda de empresas estratégicas portuguesas ao regime totalitário chinês? E quem fala da China fala de uma Arábia Saudita, de um Qatar ou de uns Emirados Árabes Unidos? Quem, à direita, contesta estes regimes? E quando escrevo “à direita”, refiro-me, obviamente, aos partidos de direita. Tenho muitos amigos de direita que, como eu, que sou de esquerda, rejeitam de forma igual todos estes regimes. Sem “mas” ou whataboutisms. Mas falar do apoio do PCP ao regime norte-coreano e ignorar os tapetes vermelhos que a direita ocidental estende aos Kim Jongs do Golfo é de uma hipocrisia colossal.

Ainda recentemente, quando Marcelo foi em visita oficial à China, levou consigo uma grande comitiva, que incluiu todos os partidos com assento parlamentar (Livre, IL e CH ainda não estavam no AR). Todos excepto um: o Bloco de Esquerda, que recusou o convite presidencial devido às restrições à liberdade e constantes violações dos direitos humanos por parte de Pequim. Os restantes lá foram, beijar o anel ao regime que detém muitos dos nossos anéis. Marcelo até se babou todo, em directo, ao lado de Xi. Recordam-se? Se calhar não. Se fosse o Jerónimo ninguém se esquecia.

Dada esta grande volta, regresso ao início: quando fazemos comparações entre o CH, o PCP e o BE, devemos ser sérios: em que medida em que o BE ou o PCP colocam em causa a ordem constitucional e a democracia portuguesa? Quais são as propostas ou ideias que equivalem, por exemplo, à defesa do corte de mãos para condenados por assalto? Ao confinamento étnico? À remoção de ovários em caso de aborto? À censura das redes sociais? À instrumentalização do fundamentalismo religioso? Ao securitarismo, num dos países mais seguros do mundo? À islamofobia, num país que tem uma comunidade islâmica residual e globalmente integrada? À demonização dos beneficiários de prestações sociais? E quando é que algum destes partidos defendeu o derrube da democracia portuguesa e a sua substituição por um regime autoritário? OK, já sei que me vão dizer que o PCP esteve ligado a inúmeros abusos no PREC e que o BE integrou ex-membros das FP-25. Mas quão diferente é isso daquilo que fez, por exemplo, o CDS, quando reciclou um ministro do Estado Novo que ainda permanece no partido como seu presidente honorário? Os abusos e crimes do PREC e das FP-25 são mais graves do que 48 anos de censura, prisões arbitrárias, tortura, perseguições e execuções sumárias por delito de opinião?

Pois é.

13-02-2022 | Retirado do Facebook | Mural de João Mendes

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