A HISTORIOGRAFIA DA DENÚNCIA E DO ÓDIO DO PRESENTE PARA COM O PASSADO | Arthur Virmond de Lacerda

Atualmente, a historiografia denunciadora e culpadora, muito em voga, enfatiza mortandades, genocídios, epidemias entre silvícolas. Culpam-se os brancos, os europeus em geral, os portugueses, por violências passadas.

É a história dos oprimidos, dos vencidos, dos excluídos, que é bem que se conte e tenha espaço: também é história e informação.

Mas é má a obsessão dos denunciadores em aterem-se a aspectos que nos são odientos no passado, como se ele se reduzisse a violências, atrocidades, genocídios, epidemias, com ocultação (ah, como eles gostam deste substantivo !) da contribuição das gerações pretéritas para com o desenvolvimento das sociedades que resultou no ponto  de civilização em que estamos.

Suspeito até de que os denunciadores dos brancos arvorem-se em senhores da moral e exalcem-se, por iniciativa própria, à posição de superioridade porque denunciam e acusam e odeiam e fomentam “merecido” ódio dos coevos pelos primevos. Na verdade, praticam outra espécie de violência, a de julgar gerações pretéritas pelos padrões que não eram os seus e sim são os nossos, no que praticam anacronismo presentista.

Tal gênero de discurso, que escandaliza e horroriza, alimenta-se da repulsa do passado, suscita mais comoção do que reflexão. Como tudo em que se insiste por demais, enfara, vai sendo mais do mesmo, mesmice. 

Ele corresponde a uma vaga mental, ao timbre de uma, duas, três gerações, porém não será eterna: passará, e dentro de mais tempo ou menos, os pósteros referir-se-lhe-ão por este estilo: “Até bem pouco tempo atrás, acreditava-se que a história deveria ser de denúncia e crítica, o que se usou e de que se abusou.

Mas essa perspectiva está superada; hoje, não mais vemos na história o papel de denunciador e acusador. Aquela geração era bem-intencionada e foi injusta, quis dar voz aos oprimidos e oprimiu o senso histórico, ressaltava as violências e ocultava o que as gerações pretéritas fizeram para a evolução da sociedade. Ela tinha lá sua razão e cometeu erros teóricos que não aceitamos.

Teve sua fase de apogeu, formou gerações de ressentidos históricos, de envergonhados, de culpados pelas ações alheias, mas isso está ultrapassado. É historiografia obsoleta, que até contribuiu para nos revelar aspectos do passado, mas era muito limitada e, na verdade, pobre, conquanto exaltada e se julgasse moralmente superior.” 

Embora animado pelo excelso fito de narrar outros lados da história, o denuncismo suscita desprezo de nossas origens, vergonha de sermos o produto de passado de que se selecionam aspectos negativos e se ocultam outros. Sim, a história dos oprimidos é ocultadora, é depreciativa, é seletiva, acusa e horroriza mais do que enaltece e valoriza: eis o timbre da historiografia revisionista e marxista.

Assim como ela esmera-se em descrever as violências, deve, com lucidez, incutir o entendimento de que cada época tem seus valores e critérios, e que os de antanho não são os de hoje e que não se pode culpar os homens de 400 e 500 anos atrás por haverem se comportado conforme critérios que eram os seus e não os nossos. Que se ensine que, 500 anos atrás, ninguém se horrorizava com a escravidão (ao contrário), que não havia a noção de direitos humanos, que a mentalidade era outra.

Explicitá-lo não visa a justificar violências nem a minorá-las, mas a situá-las em seu tempo, em vez de situá-las no nosso, como tão afoitamente pratica a historiografia denunciadora e acusadora, que sabe denunciar e acusar, porém não sabe julgar cada época segundo os padrões que lhe corresponderam, mas sabe julgá-las pelos nossos, e culpá-las por não os terem tido.

      Que um positivista, discípulo de Augusto Comte, teria a dizer a respeito? Que os mortos governam os vivos, que as gerações pretéritas determinam as que lhe são posteriores e que cada uma é fruto dos bens e dos males do passado; que se nele reconhecemos males, devemos também reconhecer-lhe a matriz dos benefícios de que usufruímos: conforto material, informação, saúde, riqueza, arte, literatura, liberdade; preocupação com o próximo, com os animais, com a Terra; redução da violência, incremento do sentido de fraternidade entre os povos, colaboração entre eles.

Se a história humana contém momentos e períodos ruins (guerras, escravidão, opressões), implica, igualmente, valores, realizações, instituições, pessoas que contribuíram e contribuem positivamente para o melhoramento da condição de vida das pessoas: é injusto e parcial salientarmos o mal; é justo e importa em visão de conjunto atentarmos também e principalmente para o bom e o belo que a humanidade produziu, acumulou e de que ao longo da história sucessivas gerações usufruíram.

13-02-2022 | Retirado do Facebook | Mural de Arthur Virmond de Lacerda

  • Positivista, do Positivismo de Comte (ateu). Positivismo é a doutrina elaborada pelo francês Augusto Comte, no séc. 19, que adota a ciência como fonte de conhecimento da realidade e a Humanidade como centro dos valores e destino dos nossos sentimentos, conhecimentos e ações. O Positivismo não acredita em nenhum sobrenatural; crê nas virtudes humanas e na capacidade de o homem conhecer a realidade e atuar para melhorá-la, melhorar a si próprio e propiciar benefício aos demais. Estado laico, republicano, libertário, é o seu ideal político. Natural de Curitiba, Brasil

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