O Refém — o oráculo de Delfos — e o velório da UE | por Carlos Matos Gomes

A figura do refém faz parte da história de Portugal. O mais conhecido será o infante santo, D. Fernando, que ficou preso em Fez, como penhor da entrega de Ceuta aos mouros, após o desastre de Tanger.

Em 2022, o Presidente da República recupera essa figura, agora a do refém do povo, com o primeiro-ministro. Devemos levar Marcelo Rebelo de Sousa a sério.

Uma das curiosidades do nosso presente político é a figura do atual Presidente da República. Eu tenho por Marcelo Rebelo de Sousa a mesma admiração, afeto e até simpatia que dedico aos grandes músicos de Jazz. Eles simplesmente tocam, não interessa a pauta da música, nem as regras da composição. O importante é o swing, a improvisação, os ritmos não lineares. Em Marcelo Rebelo de Sousa nada é linear. E o improviso, como no Jazz, é uma técnica muito bem ensaiada e pensada.

No caso da imposição a António Costa que fique refém por quatro anos e seis meses em São Bento a Marcelo Rebelo de Sousa não interessa nada a Constituição, que o governo dependa da Assembleia. Ele está a ver mais além. Não há resgate, não há Ceuta, isto é, não há Europa que lhe valha. Dali não sai. Mas, ao contrário do que alguns analistas mais apressados afirmam, não se trata de vingança de Marcelo, nem maquiavelismo. A imposição é por boas razões. A sério.

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Três personalidades, três discursos e um percurso sinuoso | por Carlos Esperança

Três personalidades, três discursos e um percurso sinuoso.

Coube às três personalidades que ocupam os primeiros lugares na hierarquia do Estado fazerem os discursos que marcaram o início da nova legislatura.

O presidente da AR fez um excelente discurso de Estado, impoluto na forma e cuidado na substância, à altura das funções e do órgão de eleição dos regimes democráticos que, em Portugal, república parlamentar, é perante quem responde o PM. Foi o coroar da sua longa carreira política em simultâneo com a brilhante carreira académica. O seu trajeto está, como o de todas as figuras públicas, sujeito ao escrutínio da opinião pública.

O PR, na tomada de posse do Governo, onde as funções são essencialmente litúrgicas, fez um discurso bonito na forma e intolerável na substância. O PR não é o treinador do Governo nem este responde perante ele. Não é o carcereiro do PM nem o intérprete da vontade popular expressa nas eleições, que só aos partidos representados na AR cabe interpretar. Marcelo julga ter um qualquer direto de pernada que, a existir, terminou na Idade Média. Não está em Moçambique onde, na qualidade de filho de um Ex Grande Régulo, se permitiu recentemente um discurso paternalista. Não estava na Ilha de S. Jorge, como vulcanólogo, a prever a benignidade dos abalos telúricos ou, em frente aos microfones, a comentar o jogo de futebol da Seleção Nacional. O discurso da tomada de posse do Governo teria sido excelente se fosse feito por Rui Rio, se pudesse discursar. O mestre de cerimónias escolheu o sítio errado e o momento inadequado para se empossar como líder da oposição.

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