TO FUCK, OR NOT TO FUCK: THAT’S THE QUESTION ! | Eugénio Lisboa

“O ratio literacia/iliteracia é constante, mas, 
nos nossos dias, os iletrados sabem ler e escrever”. 
(Alberto Moravia)

Peço, desde já, que me perdoem o tom desenfastiado desta prosa, a começar pelo título: paráfrase libertina de um solilóquio célebre. Vou usar, como verão, vocábulos desataviados ou mesmo crus: o culpado disto tudo é o escritor António Lobo Antunes que, numa entrevista recente – das muitas que ele não gosta de dar mas vai dando – sugeriu o mote, ao afirmar o seguinte, referindo-se a Fernando Pessoa: “Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.”

Não é a primeira vez que o autor de Memória de Elefante nos serve este mimo. Provavelmente, ao tê-la, gostou tanto da ideia, que não se cansa de no-la servir, faça chuva ou faça sol. Reajo a ela, não tanto pela crueza vicentina do tom (e do glossário), como pelo facto de me não parecer cientificamente sustentável.

Continuar a ler

Naqueles tempos Bárbaros e Góticos… | Eugénio Lisboa in revista Visão

JORNAL DE LETRAS Crónica de Eugénio Lisboa. “Ponho-me a ler estes textinhos inovadores e sinto a maior dificuldade em navegar no meio daquela frondosa “floresta de enganos”. Tudo me perturba, me intriga, me coloca fora de qualquer realidade palpável. A sintaxe, a morfologia, o bom senso – retraem-se, afrouxam, fazem caretas, dissolvem-se.”

Sofro, com frequência, semanalmente, diariamente, horariamente, quando me ponho a ler colunas, livros, ensaios, ficções, testemunhos dos jovens e aclamados turcos do nosso mercado literário. Sinto-me, ai de mim, posto de lado, excluído, arrumado numa prateleira, de cada vez que mergulho naquela algaraviada debitada numa prosa “inovadora”, que ofende o bom senso, a gramática essencial e a mais elementar lógica do discurso. As palavras combinam-se, ali, naquela prosa intemerata e louca, de modo anárquico e perturbante – e deixam-me os olhos e o espírito enviesados. Palavra puxa palavra, na razão direta da falta de senso e na inversa da mais desejável higiene mental. Escreve-se uma prosa “fresquinha” e “novinha”, em que nada faz muito sentido, mas em que tudo soa muito a uma “revolução de linguagem” (sic). Aquela prosa não dá para pensar, para refletir, para exprimir, dá apenas para parecer que está ali para prospetar territórios “novos”, mesmo à custa de uma total falta de senso e de uma pungente ausência de sentido de ridículo.

Continuar a ler

Eugénio Lisboa – escrita lúcida, límpida e luminosa | por Onésimo Teotónio de Almeida in As Artes entre as Letras

acta est fabulaEntrei no vol. V de Acta Esta Fabula, de Eugénio Lisboa (Memórias – V – Regresso a Portugal: 1995-2015, Opera Omnia, 2015) com ânsias de o devorar num ápice, embalado que vinha pelos três anteriores (não errei nas contas; o 2.º volume ainda não foi publicado). Para um apreciador de memórias e diários, esperava-me ali de novo uma festa. Além do mais, este vinha anunciado como misturando os dois géneros. Controlei a vontade de uma leitura a eito, sem interrupções, optando por fazê-la a conta-gotas, antes de adormecer. Em regra, tive mesmo que decidir fechar o livro e enfronhar-me entre len- çóis porque ficar horas seguidas acordado a virar páginas era o que verdadeiramente apetecia. Isto bastará para que o leitor conclua do prazer que foi ter por companhia as memórias de Eugé- nio Lisboa nuns quantos serões de inverno, refastelando-me regaladamente com uma escrita lúcida, límpida e luminosa, ouvindo a voz do autor relatar-nos dias cheios, variados, preenchidos frequentemente com prolongadas e proveitosas leituras nos intervalos de agitadas ocupa- ções por esse mundo. Nos já quatro volumes publicados, a viagem pelas décadas da vida de Eugénio, desde os seus impenitentemente lembrados com saudade de uma infância e adolescência na antiga Louren- ço Marques, somos expostos a uma voz que recua no tempo a limpar o pó da recordação e a recuperar do arquivo das suas memórias o que de mais salvável contêm. Eugénio conseguiu sempre recriar ambientes nítidos, retratando cenas e personagens da sua vida com uma vitalidade e acutilância só possíveis graças a uma memória espantosamente fresca. A maior novidade neste V volume é a abertura de janelas com vista para o seu apetitoso diário inédito. Sugerindo levemente no volume IV, aqui o espaço concedido ao diário é significativamente alargado. Se na escrita memorialista Eugénio Lisboa não deixa nunca a distância derrapar em sentimentalismos ou nostalgias românticas, na escrita diarística, traçada sobre o acontecimento, ele revela o seu agudo, fulminante olhar sobre o quotidiano. Na verdade, a prosa de Eugénio é vigorosa porque enxuta, limpa de toda a adiposidade pegajosa. Ela salta em cima dos dias acompanhando penetrantes relances sobre o quotidiano, oferecendo-lhe uma expressividade que cativa o leitor e o faz testemunha de cada acontecimento.

Continuar a ler