O NAVIO FANTASMA | José Pacheco Pereira in “Abrupto”

Do outro lado, tem um enorme vazio, António José Seguro, o homem que não existiu nesta crise, porque eleições antecipadas era a última coisa que queria, em razão inversa das vezes de que falou nelas. À direita aconselham-no a “fazer de morto”, para castrar todas as veleidades de ele fazer qualquer oposição que se veja. É um conselho errado, porque ele está já de há muito morto, não precisa de se “fazer”.

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Nunca em toda a minha vida, antes ou depois do 25 de Abril, senti um tão agudo ambiente de “luta de classes”. Os de baixo contra os de cima. os de cima contra os de baixo. Os de cima que fazem de conta que não há os de baixo, não existem, ponto. Os de baixo que se pudessem apanhar os de cima, sem a corte de guarda-costas, os fariam passar um mau bocado. Sem organização, sem instigação, como quem respira.
Em 1974-5, o conflito era de outra natureza, era dominantemente político, e não tinha essa fractura social evidente e agressiva como base. Era sobre liberdade e ditadura, sobre o Portugal do passado mais do que sobre o Portugal do futuro. Com excepção dos retornados, pouca gente sofreu nesses anos, nem mesmo os presos pelos mandatos de captura em branco do Otelo, ou  as centenas de MRPP presos. Dez anos bastaram para normalizar a democracia, acabar com os restos do PREC, absorver os retornados, sem feridas permanentes.
Agora as feridas vão ser profundas e vão durar muito tempo. A identidade do país soçobrou dentro da Europa a favor da burocracia de Bruxelas e do directório alemão. Antes era por inconsciência, agora é pela necessidade. Mas, antes e agora, porque a nossa elite dirigente tem em pequena conta o país, não gosta dos portugueses, desconhece a nossa história e tradições, e está dominada por interesses. Não lhes passa pela cabeça que, agora que as pessoas têm que comer terra, talvez escolhesssem comer a mesma terra que comem e vão comer no futuro, sem ter que suportar a tutela arrogante de quem, nos desprezando, nos dá lições de moral e disciplina.
O tecido social está rasgado, o país deslaçado, onde um discurso de guerra civil penetra, fazendo o vizinho dono de um pequeno café, vergado de impostos, voltar-se contra o vizinho professor em vésperas de ser  “requalificado”, em vez de olhar para cima, para quem de forma leviana e muitas vezes incompetente, balizado apenas pelo círculo de ferro do nossso establishment, no qual a banca define a pertença e a exclusão, está a conduzir uma operação de empobrecimento colectivo de muitos para salvar a “economia” de poucos. E esses poucos, são os que nos colocaram na situação em que estamos.
Hoje há reacção, reacção de reaccionarismo. Há um acantonamento de emergência com armas e bagagens do lado do governo, preparado para tudo, para ser agressivo, para fazer todas as chantagens (a chantagem teve um papel nesta crise) , a cilindrar tudo e todos à frente. Do outro lado, tem um enorme vazio, Antònio José Seguro, o homem que não existiu nesta crise, porque eleições antecipadas era a última coisa que queria, em razão inversa das vezes de que falou nelas. À direita aconselham-no a “fazer de morto”, para castrar todas as veleidades de ele fazer qualquer oposição que se veja. É um conselho errado, porque ele está já de há muito morto, não precisa de se “fazer”.  E está morto do lado deste Navio Fantasma que é o governo.
E depois tem um BE encurralado e sem estratégia, e um PCP, há muito tempo numa posição defensivaque tem um papel fundamental nos sindicatos (sem a acção sindical de resistência, real ou potencial, ninguém falaria de “cansaço da austeridade” e o governo e a troika teriam ido muito mais longe na criação do país de mão de obra barata e disciplinada que pretendem) , mas é inútil no plano políticoOs “indignados” e companhia tem folclore a mais e a actuação pelas redes sociais é no essencial preguiçosa e atentista. 
Ou seja, a maioria dos de baixo está entregue à fúria populista e ao desespero.
José Pacheco Pereira
 
(Continua.)

“Silêncio Político”? | Júlio Machado Vaz in Facebook

Há algum tempo uma boa amiga interrogava-se sobre o meu “silêncio político”. Mas dizer o quê? Ontem o Dr. Passos Coelho brindou-nos com mais um dos seus redondos comunicados. A seu lado, Paulo, o irrevogável, Portas, parecia ter envelhecido dez anos e colecionava tiques de nervosismo. Pano de fundo sobre o qual se desenhavam os jograis? Portas, num registo laico, imitou Marcelo, quando este afirmou que “nem se Cristo voltasse à Terra…”. Justificação para uma pirueta de tal dimensão, após uma decisão que até homens como Lobo Xavier e Nobre Guedes criticaram? Mas está bom de ver! – o interesse do País, ou seja, o nosso. Poder reforçado para si e para o CDS/PP no Governo, agora é que chega o desenvolvimento. E se não chegar? Fácil, acusa-se a desaparecida em combate Ministra das Finanças de ter bloqueado as iniciativas da “Nova Política”. (Sim, a que não podia ter sido escolhida e motivou a decisão irrevogável…). Passos Coelho “promoveu e premiou” quem considera tê-lo traído? Fácil, fê-lo pensando no interesse nacional, ou seja, em nós. Manteve-o no mesmo barco e à mão de semear para o passa-culpas eleitoral. E manteve-se Primeiro-Ministro, não vão algumas cabecinhas do PSD avançarem com um nome que não o seu para candidato. (E mesmo assim…). Cavaco já tem mais um prefácio para escrever em 2014 sobre deslealdades sofridas às mãos de Governos, ser avisado uma hora antes da posse da Ministra – entre outras coisas… – deve tê-lo feito pensar que Sócrates não era o único pronto a desconsiderá-lo olimpicamente. Mas e agora? Depois de se ter colado a este Projecto – também no nosso interesse, claro! -, e apesar das consultas e de frases como “seja qual for o Governo…”, vai tirar-lhes o tapete e vencer o seu horror a sair de uma zona de conforto que reduz a presidência a uma figura de estilo? Veremos… A verdade é que tudo isto é trágico para o país, mas nada estimulante como tema de reflexão. Quando muito, estes actores políticos lutam pela sua sobrevivência. Às vezes nem isso – exemplificam apenas como ética e competência deixaram de ser condições obrigatórias para dirigir a Cidade.
Depois do triste dueto de ontem à noite, The song remains the same, como cantaram os Zeppelin 😦

Apenas a hipocrisia subiu uma oitava…

jmv