A Abrilada de 1961 – Para Angola em força? Não: Para São Bento em Força! | Carlos Matos Gomes

A Abrilada de 1961 – Para Angola em força? Não: Para São Bento em Força!

Ontem, 13 de Abril, passaram 60 anos da Abrilada de 1961 – reduzida na historiografia oficial a um pronunciamento conduzido pelo general Botelho Moniz para afastar Salazar.

A RTP apresentou um apontamento sobre a efeméride, em que participei. Resultante de uma excelente entrevista de quase duas horas com a jornalista Ana Luísa Rodrigues, muito bem preparada e muito bem informada.

A efeméride bem merecia outro tratamento e a direção de informação da RTP tinha a obrigação de lho dar, porque é serviço público.

Tinha a obrigação porque em 13 de Abril de 1961 se jogou o futuro de Portugal: os 13 anos de guerra e a descolonização como ela ocorreu. Eu apresentei o meu entendimento de que Salazar poderia (e deveria) ter evitado guerra e poderia ter aberto Portugal ao exterior. Até a história de África poderia ter sido diferente se o desfecho do que aconteceu a 13 de Abril de 1961 tivesse sido outro, se a Abrilada tivesse vingado.

Disse na entrevista que o que esteve em causa no golpe Botelho Moniz foi o confronto entre uma projeto político para Portugal, integrando-o no mundo do pós-segunda guerra mundial, no seu espaço de alianças e de civilização e o mundo do salazarismo e dos salazaristas, fechado sobre si, organizado como seita à volta de velho da montanha, defendido pelas forças armadas. O confronto entre um Portugal europeu e aberto e Salazar, defensor de um Portugal enquistado, rural, fora da história da Europa.

O que eu disse na entrevista foi que a palavra de ordem de Salazar no discurso da noite de 13 de Abril de 1961 não foi: Para Angola em força, foi: Para São Bento em força!

Salazar sempre desprezou Angola e África em termos de desenvolvimento económico e em termos de defesa militar. O seu discurso tem tudo a ver com a sua manutenção no poder aqui em Portugal.

Os discursos de Salazar são sempre um jogo de máscaras em que ele parece falar verdade, mas não é  de verdade que ele tratava, mas de verosimilhança.

No discurso  da noite de 13 de Abril de 1961 Salazar invoca princípios quando, na prática, está a tratar de interesse e de sobrevivência política no poder dele e do seu grupo.

Salazar toma conta da pasta da Defesa, mas ele e o seu governo não têm qualquer ideia, menos ainda qualquer plano para o que pretendem para Angola, nem para Moçambique, nem para as suas colónias. Exprimi as minhas justificações na entrevista.

A RTP não esteve interessada em apresentar Salazar como o causador da guerra colonial, como responsável pela sua conduta com parcos meios e indefinição de objetivos e pelas suas consequências. Preferiu apresentar um inócuo apontamento de uma data decisiva.

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Matos Gomes

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