Voto assim | André Barata

Não sei o que passou pela cabeça do PS de António Costa para pedir uma maioria absoluta. Só a ideia de uma aliança com a direita seria pior. Era mesmo a única coisa que não se podia querer sem entrar em flagrante contradição com uma convicção firmada na última meia dúzia de anos. A memória democrática das maiorias absolutas em Portugal não é boa. Comprimiram a respiração do pluralismo, a efectividade de concertação social, o esforço e a disponibilidade para ceder com que se fazem acontecer caminhos novos.

O PS de António Costa tinha o bom património de não querer maiorias absolutas, mas mandou-o às ortigas. O resultado era previsível. É difícil encontrar algo que, à esquerda, desconforte mais o eleitorado de esquerda do que a vontade de maiorias absolutas. Absoluto e esquerda não rimam. E a autoridade moral de que o orçamento de estado foi injustamente chumbado não chega para tanto. Precisamente, este tanto que foi pedir uma maioria absoluta “malgré tout” é uma boa chave de leitura para ir percebendo o que terá corrido mal.

A ironia é que desbaratando vantagem para a direita e razões junto à esquerda, o PS de António Costa recriou as condições para nos batermos por uma maioria de esquerda. Essa é a prova de fogo: votar à esquerda, na esquerda elegível, pelo Estado Social, que é a maior obra da democracia portuguesa; pelo SNS, que nos valeu este último par de anos; por um modelo de desenvolvimento que é do regime, da sua Constituição, de Abril.  É o que está em causa neste Domingo.

Tenho a certeza de que o voto no BE e na CDU, mas também no PAN e no LIVRE, contam para uma maioria de esquerda que seja uma maioria em torno do essencial. Do outro lado, estão três direitas: uma direita extremista que cada dedo de poder que lhe concedamos será concessão à violência da segregação e da humilhação social; outra direita que, de forma radical, tem por iniciativa a rejeição metódica de todos os pilares do Estado Social; e a que tem ambição de poder, pouco ou nada mais a acrescentar, sequer o escrúpulo de rejeitar liminarmente as suas vizinhas.

Eu votarei no BE, confiado em duas ideias. Primeiro, que uma maioria de esquerda tem de acontecer e fazer acontecer de novo uma solução governativa em que prevaleça o essencial. Segundo, faz falta um partido da irreverência ideológica e institucional. A primeira ideia tenho visto convictamente confirmada por Catarina Martins, não falhando um caminho árduo mas imprescindível; a segunda é apenas a esperança fundada numa boa memória. O país precisa de alegria utópica que desafia o nervo das instituições, sem medo dos seus paladinos nem cedências ao que eles possam ter para retribuir a docilidade. Faz falta a política que enerve e sensibilize com slogans como “aqui podia morar gente”, seja uma casa,  um país, ou o planeta inteiro. Faz falta outra concepção do trabalho, outra relação com os recursos, decrescimento, ecologia a sério, que faça da economia um seu capítulo e não o inverso. Faz falta responder às inquietações, mas também ao sentido para que seguimos. É a diferença entre agir por necessidade ou por liberdade.

Vamos a isto.

28.01.2022

Retirado do Facebook | Mural de André Barata

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