CRISTINA CARVALHO em “MARGINAL”

‎(…) Desgraça era já quase não ser nem mulher nem nada. Desgraça era continuar assim seca, humilhada, inútil! Quantas vezes em noites mais quentes, o Aníbal coxo a soprar um fino fio de respiração pelas narinas, dormindo sossegadamente e ela em sufoco desesperado a encostar-se muito às suas pernas tesas, praticamente paralíticas. E encostava-se tanto e tanto e tanto e tanto e tanto que chegava a magoar-se e a sentir-se mal, subiam-lhe náuseas pelo peito acima, não queria tocar-lhe em mais lado nenhum embora lhe apetecesse muito e tinha uma resposta preparada «Que queres? Devia estar a sonhar, algum pesadelo…»

CRISTINA CARVALHO em “MARGINAL” – livro (romance) a aparecer no próximo mês de Fevereiro publicado por Planeta Manuscrito – Portugal

CC

António Paiva

António Paiva, nasceu a 21 de Março de 1959, em Santo André, Vila Nova de Poiares, uma vila situada entre a Serra da Lousã e o Rio Mondego. Cresceu na aldeia de Travasso, concelho de Penacova.

Por lá estudou e pastoreou até à idade de 18 anos, a partir daí foi para a cidade de Coimbra, onde prosseguiu os estudos e iniciou a sua vida profissional. No ano de 2000 decidiu rumar à bela ilha da Madeira, onde residiu até Março de 2010. Em Abril de 2010 fixou a sua residência no Seixal, tendo como cenário dos seus dias a magnífica Baía do Seixal e o rio Tejo.

Apesar de a escrita o acompanhar desde muito cedo. Só em finais de Agosto de 2006, surge a publicação do seu primeiro livro de poemas, “Juntando as Letras”. Em Maio de 2007, é editado o seu segundo livro, “Janela do Pensamento”, uma compilação de poemas e prosa poética. Quase a terminar o ano, em Outubro de 2007, nasce mais um livro de poemas e prosa poética, intitulado “Navegando nas Palavras”. No ano de 2008 fez parte de um grupo de onze autores, que lavraram e assinaram as páginas do livro, “Leituras Soltas”, uma edição conjunta da Fnac e da editora O Liberal, lançado a 13 de Dezembro.
Abril de 2009 é editado o seu primeiro livro exclusivamente em prosa “Pedaços de Vida e Fantasia”. Em Outubro do mesmo ano é editado o seu livro “70 poemas por um sorriso”. Em Abril de 2010 edita de novo em prosa “Livro Imperfeito”. Maio de 2011, “À Conversa Com Alves Redol & As Sequelas” saiu da gaveta para habitar as páginas de um livro.

Obras colectivas em que participou:
Leituras Soltas – 2008, Antologia Poético-Literária 7 Pecados – 2010, Colectânea Arte Pela Escrita III – 2010, Antologia de Poesia Contemporânea Entre o Sono e o Sonho Volume III – Chiado Editora, 2012..

Prefácios a obras de outros autores: Brisas do Mar, de Vanda Paz, Novembro de 2008. Pedaços do Meu Sentir, de Vítor Cintra, Maio de 2009, Uma Prosa… Um Verso, da escritora brasileira Ibernise Maria, Novembro de 2009, Águas de Ternura, de António MR Martins, Março de 2011.

Em Dezembro de 2007, O Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais, confere-lhe o Diploma de Honra e Mérito ao Escritor.

Página pessoal:
http://www.antoniopaiva.net

António Paiva

António Paiva

VIAGEM NO PASSADO POR CAUSA DO PRESENTE por José Pacheco Pereira in “Abrupto”

Hoje tudo é muito diferente em relação ao passado, mas também muita coisa é demasiadamente igual.
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Cartazes do CDS, 1976.

Cartazes do CDS, 1976.

No final do século XIX, princípio do século XX, o incipiente operariado português concentrava-se em poucas fábricas dignas desse nome no Norte do país, em particular no Porto, e numa multidão de pequenas oficinas em Lisboa e Setúbal e nas principais cidades do país. Eram operários e operárias, tabaqueiros, têxteis, soldadores, conserveiros, corticeiros, mineiros, padeiros, alfaiates, costureiras, cinzeladores, cortadores de carnes verdes, carpinteiros, fragateiros, estivadores, carregadores, carrejonas no Porto, carvoeiros, costureiras, douradores, etc., etc. Havia uma multidão de criados e criadas, criadas “de servir”, e muito trabalho infantil em todas as profissões, em particular nas mercearias, onde os marçanos viviam uma infância muitas vezes brutal, dormindo na loja e carregando com cargas muito pesadas. Falei em operariado, mas na verdade, muito poucos correspondem ao conceito, porque se trata mais de artífices, trabalhadores indiscriminados, e em muitos casos com profissões hierarquizadas em que os aprendizes eram sujeitos a todos os abusos. Havia depois uma aristocracia operária, essencialmente entre os que faziam tarefas qualificadas e mais bem pagas, como era o caso dos tipógrafos, que sabiam ler e por isso tinham um mundo social diferente. Antero de Quental foi tipógrafo de passagem.
Deixo o campo de lado, em que a maioria dos portugueses ainda vivia, onde havia igualmente um território obscuro e pouco conhecido que despertou com a I República, os trabalhadores rurais alentejanos. Estes viviam uma vida violenta e esquecida no meio do deserto alentejano. Nos meios rurais vários grupos de trabalhadores vegetavam na mais negra miséria e vendiam o seu trabalho sazonalmente, nas vinhas do Douro, nos campos do Alentejo e Ribatejo como maltezes e ratinhos. O que de mau se pode dizer das cidades, pode-se dizer pior do campo ou das vilas piscatórias do litoral e mineiras do interior.
A economia do mundo operário centrava-se no salário muito escasso, na renda de casa, numa vila operária ou numa “ilha” se fosse no Norte do país, onde se amontoavam em condições higiénicas e sanitárias inimagináveis. A epidemia de cólera no Porto, e a habitual ocorrência de tifo, demoraram muito anos a lembrar os governantes do problema de insalubridade da “habitação operária” e deram origem aos bairros sociais no salazarismo.
O vestuário masculino e feminino era muito grosseiro, sarja, serapilheira, chita eram comuns e os sapatos eram para usar aos domingos. Até à década de cinquenta do século XX o pé descalço era um símbolo da pobreza portuguesa. Alpergatas feitas com um bloco de madeira e uma tira de borracha de pneu eram o calçado operário mais comum. As mulheres vestiam-se ainda como se estivessem no campo e os homens já menos, mas mesmo assim o traje operário, como o fato-macaco, demorou a tornar-se comum porque era caro.
A alimentação era de péssima qualidade e a fome, e doenças associadas com as carências alimentares, como o raquitismo, eram comuns. A tuberculose era generalizada, e o alcoolismo um flagelo social. Eram igualmente comuns os traços da varíola, da poliomielite, e em certas zonas do país havia malária e kala-azar. Não havia dinheiro para ir ao médico e também não havia muitos médicos e menos hospitais, já para não falar de medicamentos. A dependência da caridade da igreja ou pública, sob formas como a “sopa dos pobres”, implicava regras de comportamento disciplinares, subserviência e cabeça baixa. Havia muita mendicidade.
A prostituição, a criminalidade e o roubo eram generalizados. Havia um número elevado de “matriculadas” e um número ainda maior de mulheres que se prestavam ocasionalmente à prostituição por razões económicas. A violência sexual nas fábricas era uma forma de “direito de pernada” que ninguém contestava e a violência nas famílias sobre as mulheres uma hábito estabelecido. Em Lisboa a criminalidade “apache” de navalha, vinho e fado era a regra, nos campos o assassínio bruto à paulada e a machado associava-se ao roubo nos matos e ao incêndio de searas. A reivindicação de polícia rural está alta na lista de todas as associações de agricultores, como os senhorios urbanos temiam os seus inquilinos.
A esmagadora maioria da população era analfabeta, e os poucos que tinham algumas letras não passavam da instrução primária, muitas vezes incompleta. No entanto, havia uma reverência à escola e à instrução, como sinal de ascensão social. Para muitos pobres, o seminário era a única escola possível.
Os trabalhadores não tinham quaisquer direitos enquanto trabalhadores. Os patrões, fossem os “industriais” com dinheiro brasileiro e títulos de barão e visconde, ou os donos das pequenas oficinas de marcenaria ou de panificação, podiam decidir tudo sobre os seus trabalhadores. Os horários podiam ser de sol a sol, as condições de trabalho eram terríveis, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais comuns, as ordens de patrões e capatazes eram indiscutíveis, os dias de doença não eram pagos, as faltas, por muito justificadas que fossem, idem, e o despedimento não tinha qualquer formalidade – chamava-se o trabalhador e “punha-se na rua”. Ponto.
Durante a segunda metade do século XIX, os operários começaram a organizar-se e a reivindicar alguns muito escassos direitos. À medida que as antigas corporações desapareciam, e com estas algumas confrarias que ofereciam um escasso apoio social a grupos profissionais, apareciam associações mutualistas que pretendiam em primeiro lugar garantir um funeral decente em vez da carreta dos pobres e a vala comum, assim como algum apoio às viúvas e aos filhos, que a morte deixava de imediato na pobreza absoluta. Os peditórios eram comuns. Esse mundo da economia popular pode ser visto por um observador atento que visite alguns bairros antigos de Lisboa, onde encontra ainda restos da paisagem operária marcada pelas lojas de penhor, pelas funerárias e pelas tabernas.
Os sindicatos, no sentido moderno do termo, surgiram a partir das associações de classe e de um espírito de resistência e auto-organização, que, não sendo nunca muito forte, estabeleceu-se com tenacidade. Havia greves, algumas violentas e tumultuárias, mas também era comum que um gesto qualquer caritativo do patrão fizesse voltar os operários ao trabalho, muito agradecidos com a benesse. A relação paternal entre o patrão e os “seus” operários estava incrustada no tipo de relações sociais dominadas pela clientela e pelo patrocinato. O caciquismo era a face política dessas mesmas relações, a partidocracia actual a sua herdeira.
Do seu lado, do lado das “classes laboriosas”, havia muito pouca gente, alguns raros filantropos com ideias progressistas, muitos filantropos com ideias reacionárias, e, durante a sua breve vida, um Rei D. Pedro V. E, pouco a pouco, legislação sobre o trabalho, as condições de trabalho, a “previdência”, e um embrião de um direito laboral foi fixando horários, salários, regras, descontos, faltas, doenças, obrigações, e, palavra maldita, do direito nasceram direitos adquiridos.
Estamos a falar de cem, cento e cinquenta anos, mas saímos deste mundo há pouco mais de cinco décadas, com muito sofrimento, esforço e trabalho, consolidando melhorias e direitos. Na década de sessenta, a vida começou a melhorar muito lentamente. A emigração representou a válvula de escape para muita desta miséria, e na França, na Alemanha, como antes no Brasil e Venezuela. Uma lenta mas construtiva industrialização, iniciada nos anos cinquenta, e uma política de “fomento” permitiram, junto com a economia colonial acicatada pela guerra, algum progresso material. E Marcelo Caetano deu a reforma aos rurais e o 25 de Abril o resto.
Foi um processo lento e nalguns aspectos pouco amável, que incluiu uma revolução e alguma violência, cá e principalmente em África. Conseguimos uma muito razoável integração dos “retornados”, mais eficaz pela plasticidade da sociedade portuguesa do que o que aconteceu em França com os pieds noirs. Acabámos com os frutos malditos da pilha de ouro entesourada no Banco de Portugal, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza, a absoluta desprotecção face aos infortúnios do trabalho e da vida.
Melhorámos alguma coisa, mas não muito. Mas foi tudo muito lento e muito tarde, o que significa que os portugueses mais velhos ainda têm uma memória viva, muito provavelmente biográfica, desta pobreza ancestral. Mesmo os que já não a viveram sabiam pelos seus pais e avós que era assim, e isso significa, ao mesmo tempo, um certo conformismo e alguma revolta.
O último tempo onde mais negra foi a miséria portuguesa que ainda pode ser lembrado pelos vivos foi por volta de 1943, o ano em que houve um excedente da balança comercial que a imbecil ignorância actual se permite louvar, sem saber do que está a falar. Ter havido excedentes na balança foi bom, a razão por que isso aconteceu foi péssima. É essa fractura entre a abstração e a realidade que torna obrigatório viajar pelo passado por causa do presente. Tudo é muito diferente, mas também muita coisa é demasiadamente igual. Esperemos que em 2013 não se torne ainda mais parecida.
(Versão do Público de 22 de dezembro de 2012.)
FONTE:  http://abrupto.blogspot.pt/2012/12/viagem-no-passado-por-causa-do-presente.html

Leitores do PÚBLICO elegem Afonso Cruz, ALT-J e Moonrise Kingdom como os melhores do ano

Há dois nomes portugueses entre os melhores do ano para os leitores do PÚBLICO. Afonso Cruz, que venceu de forma inequívoca a votação para eleger o melhor livro de 2012, com Jesus Cristo Bebia Cerveja. Miguel Gomes ficou em segundo nas preferências dos leitores para o cinema, com o muito aplaudido Tabu.

As escolhas foram feitas online em três votações separadas ao longo de quatro dias – entre dia 28 de Dezembro e o último dia do ano –, a partir de três listas com 50 livros50 discos e 50 filmes pré-seleccionados pelos jornalistas e críticos do PÚBLICO.

Jesus Cristo Bebia Cerveja (Alfaguara) venceu com 19% dos votos na Literatura, à frente de A Piada Infinita de David Foster Wallace (Quetzal) e de 1Q84 de Haruki Murakami (Casa das Letras), que amealharam respectivamente 10% e 9% dos votos. O resultado desafia as escolhas do ípsilon, que não incluíam nem Afonso Cruz nem Murakami (à frente ficaram, além de Foster Wallace em terceiro, O Bom Soldado de Švejkde Jaroslav Hašek em primeiro e Já Então a Raposa Era o Caçador de Herta Müller em segundo).

No cinema, Tabu foi, para os críticos do PÚBLICO, o filme do ano. Mas os leitores que participaram na votação preferiram Moonrise Kingdom (14%), de Wes Anderson. O filme de Miguel Gomes ficou em segundo (13%) e Vergonha, de Steve McQueen, em terceiro (11%). Estes dois também fizeram parte dopódio no ípsilon.

À lista de 50 filmes levada a votos, os leitores acrescentaram, no espaço para comentários, muitos outros títulos. Entre os mais citados encontram-seAmigos Improváveis (Olivier Nakache e Eric Toledano), Cloud Atlas (irmãos Wachowski), Looper – Reflexo Assassino (Rian Johnson), Os Vingadores(Joss Whedon) e Temos de Falar Sobre Kevin (Lynne Ramsay).

Nos discos, Tame Impala é consensual entre críticos e leitores: Lonerism é um dos melhores do ano. Só muda a posição na tabela, do primeiro lugar para o segundo (8%). Para os leitores, o melhor disco de 2012 foi An Awesome Wavede ALT-J (10%). The xx é o terceiro nome no topo da lista, com Coexist, com o mesmo resultado de Tame Impala (8%).

A escolha do disco do ano foi a que mais participação gerou. E mais sugestões de novos títulos para a lista: Desfado de Ana Moura, Wrecking Ball de Bruce Springsteen, Shields de Grizzly Bear e Confess de Twin Shadow foram alguns dos álbuns de que os leitores mais sentiram falta na votação.

FONTE:  () – http://www.publico.pt/cultura/noticia/leitores-do-publico-elegem-afonso-cruz-altj-e-moonrise-kingdom-como-os-melhores-do-ano-1579128?fb_action_ids=466955423341536&fb_action_types=og.recommends&fb_source=other_multiline&action_object_map=%7B%22466955423341536%22%3A514911288529710%7D&action_type_map=%7B%22466955423341536%22%3A%22og.recommends%22%7D&action_ref_map=%5B%5D

Foto: RUI GAUDÊNCIO

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