Mais um regresso de Keynes? | João Rodrigues | in Jornal de Negócios

«John Maynard Keynes (1883-1946) é um pensador que nos ajuda nas curvas apertadas. Já foi várias vezes proscrito, mas ressurge sempre. Esperemos que, ao contrário do que aconteceu em 2008/2009, quando políticas ditas keynesianas foram usadas para salvar bancos, desta vez sejamos capazes de fazer melhor, evitando também a austeridade contraproducente. Existem então meia dúzia de razões para um regresso de Keynes.

Em primeiro lugar, colocou no centro da análise algo que a economia convencional esquece: a incerteza radical, para lá do risco probabilístico. Atentar nas “forças obscuras do tempo e da ignorância que dominam o nosso futuro” não é um convite à passividade. Trata-se de conhecer as forças que nos impelem a agir aqui e agora, esconjurando a catástrofe iminente, distinguindo a incerteza inevitável da que é produto de arranjos disfuncionais.

Em segundo lugar, convida-nos a pensar o papel da moeda, que nunca é neutra. No capitalismo, tudo começa pela moeda-crédito e acaba em rendimentos monetários. A busca de liquidez, dinheiro mais ou menos vivo, é um volátil comportamento, que funciona como “barómetro do grau da nossa desconfiança em relação aos nossos cálculos e convenções relacionadas com o futuro”. A economia também é psicologia, porque é feita de e por humanos.
Em terceiro lugar, alerta-nos para o salto mortal que temos de dar quando passamos da microeconomia para o continente que ele ajudou a descobrir, a macroeconomia. O todo pode ser mais ou menos do que a soma das partes. Isto significa que um somatório de comportamentos individuais racionais pode originar uma situação irracional. Pense-se no paradoxo da poupança: se todos decidirem poupar, porque desconfiam do futuro, as despesas de consumo e de investimento diminuem, o que significa que o rendimento, resultado da despesa, diminui e logo a poupança também.

Em quarto lugar, convida-nos a atentar nas dinâmicas da procura agregada, da despesa total que molda o produto e o rendimento totais. O emprego depende disso. Reduzir salários em face de uma crise pode ser racional do ponto de vista de um empresário míope, mas se esse comportamento se generalizar o desemprego pode bem aumentar, dado o colapso de uma fonte essencial de procura.

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Querido Fred | Tiago Salazar

Querido Fred,
Frederico Duarte Carvalho

Portas o facho da esperança ou da ironia ou fintaste a ti próprio? És tu um niilista ou um crente (nem que seja nas virtudes lenitivas do vinho?). Tu, que lês e bebes na História, achas que o mundo vai mudar para melhor ou não andaremos de crise em crise com interlúdios de fraternidade universal, até à extinção? A aldeia global não é uma grande farsa? Que sabe um inuit por aí além de um português ou que sabemos nós dos esquimós para além de iglus e beijos de nariz a dar e dar (por ora proibidos)?

Quando me vejo asfixiado, agrilhoado (como Prometeu), preso num colete de forças, atiro-me ao que me pode salvar-evadir, a escrita-a viagem, mormente, como se escrever-viajar me devolvessem o sentido de pertença a um mundo que sei condenado. A nossa geração não conhecia, até aqui, mais do que o drama dos recibos verdes. Fome, guerra, doença, miséria, são realidades para a maioria de nós desconhecidas. Haverá filhos de quem foi à guerra que padeçam de males que não serão menores, como o da rejeição e do abandono ou da violência doméstica (que também é a dos pais sofre os filhos). As nossas guerras têm sido outras: a do trabalho precário, sobretudo. Chamar guerra ao que se passa é um ultraje. Será do hino termos que ir logo apelar às armas? E os barões assinalados, os donos disto tudo, que farão eles neste momento a não ser acautelar os seus interesses, proteger as suas perdas, inventando outras formar de lucrar como lacraus e abutres e saqueadores de outroras e agoras?

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