Brindemos então aos nossos amores! Que as nossas mulheres nunca fiquem viúvas e que venha mais uma garrafa de rum! Sim, poderia falar das mulheres que amei e amo, mas não seria justo para elas nem para aquelas que, sabe-se lá, podem um dia também vir a querer amar-me! Tu tiveste uma vida de casado com uma figura pública e há essa história, linda, da coincidência da mensagem no telemóvel enquanto ambos, sem o saberem, estão praticamente na mesma rua. É de filme. No meu caso, tive os meus filmes, as minhas coincidências, as minhas certezas, incertezas, paixões e entregas. A todas que amei, amei. No meio disto tudo, houve um filho. O meu único filho, Álvaro. É hoje o homem que eu amo. Um loiraço de olhos azuis, inteligente, com personalidade e excelente jogador de ténis.
Voltamos sempre ao amor (e à paz e a justiça, como as Misses Mundo). Um dia li esta frase, da Hélia Correia, e guardei a sua fala para sempre. “O Amor é uma coisa rara. Tão rara como um homem evolar-se pelos ares ou um analfabeto citar Cícero em correcto latim”. A Hélia (e o Jaime Rocha), duas almas antigas e floridas, vivem um amor raro. Um amor onde assenta a poesia é do domínio da raridade. Na rua chamam-me “o poeta” ou, por vezes, “fadista”. É um equívoco perdoável. Logo eu, que tenho uma obra completa de três poesias e nada sei de decassílabos, sextilhas ou sonetos.
Como diria o pai da Ana Margarida de Carvalho, a tua “madrinha” do PCP, “era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto”. Se estas cartas fossem como um bar, então não poderíamos falar de política, religião e futebol. Como os dois últimos temas já foram abordados, só nos faltava mesmo entrarmos no campo da política. São os ventos de Abril, claro. As portas que nos abriram, sobretudo agora, quando temos as portas que o vírus nos fechou. No que diz respeito a escolhas políticas, poderia comparar isso a escolhas clubísticas e até a escolhas de amores: não se explicam. Sentem-se. Só que a minha mente gosta de encontrar lógica até nos sentimentos.
Para falar de Abril e da Revolução, daqui te escreve o camarada Salazar, o único membro do Partido Comunista Português (PCP) de apelido conotado com o fascismo. Era simpatizante e votante de longa data do PCP, e passei a militante de cédula e quotas (opcionais), num Abril de há dois anos. Ninguém me sondou ou aliciou. Fui pelos meus pés, amadrinhado pela Ana Margarida De Carvalho, sem que a amizade ditasse a minha escolha.
Hoje é dia 23 de Abril, uma quinta-feira – isto para quem ainda faz sentido saber em que dia da semana estamos. Se a revolução de 25 de Abril tivesse de acontecer nos dias de hoje, então era hoje, a 23 de Abril, que ela deveria ter lugar. Seria hoje que os tanques viriam para a rua, tomariam de assalto os pontos nevrálgicos de comunicações e emitiram as suas recomendações para que a população permanecesse fechada em casa. Sem sair à rua:
“Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas nas quais se devem conservar com a máxima calma”.
Se eu morresse agora isto seria o meu cartão de farewell:
Tiago Salazar nasceu em Lisboa, em 1972 (a 21 de fevereiro)
Formou-se em Relações Internacionais e estudou Guionismo e Dramaturgia em Londres
É (era) doutorando no Instituto de Geografia onde prepara(va) uma tese sobre A Volta ao Mundo de Ferreira de Castro
Trabalhou como jornalista desde 1991
Venceu o prémio Jovem Repórter do Centro Nacional de Cultura, em 1995
Foi formador de Escrita e Literatura de Viagens
Idealizou, escreveu e apresentou o programa Endereço Desconhecido, da RTP2
Foi Bolseiro da Fundação Luso Americana em Washington, em 2010
Foi vencedor do prémio Literatura na XVII Gala dos prémios da revista Mais Alentejo, em 2018
Aos meus amores. Aos nossos amores. Sim, já fui infiel. Fui a mim próprio, por não ter sabido a tempo revelar, com palavras, aquilo que tentava ocultar com actos. Sempre tive espaço para muitas mulheres nos quartos do meu coração, como qualquer homem. Só que era uma de cada vez. Lidar com uma mulher é, por si só, um mistério tão grande, um labirinto tão atractivo e profundo onde nos queremos perder e perder sem encontrar a saída, que não vejo como seja possível manter dois amores ao mesmo tempo. O que me faz ficar? O que faz saber que vale a pena acordar todos os dias e amar mais do que ontem? Não é um bom par de seios, ancas ou traseiro desejável. Não é nada disso que, para mim, faz a Vénus ser de Milo. Existe uma única coisa que sei que é capaz de sobrepor a um nariz que podia ser mais pequeno, lábios que podiam ser mais grossos, dentes em melhores condições, uma personalidade mais sociável. O que consegue minimizar os defeitos são os olhos. Os olhos. Olhos no olhar de uma mulher. É o momento em que sei que fui captivado e estou rendido a uma pessoa. É como se fosse o Mel Ferrer, no “Guerra e Paz” do King Vidor, a apreciar a Audrey Hepburn enquanto dança no grande salão com outra pessoa, e dizer para mim próprio: “Se na próxima volta ela olhar para mim e sorrir, será a minha mulher”. É assim que, em geral, tenho gerido a minha vida sentimental.
Estes vaivéns são como bate-bolas (intelectuais, sentimentais). Temo viciar-me neles para além da quarentena, e se tu me falhares, ver-me forçado a criar um interlocutor (alter-ego) do teu calibre, o que não será fácil. Isto de contar histórias há que vivê-las para contá-las. Memórias de mis putas tristes e Vivir para Contar La, de Gabo, são dois exemplos máximos de como há vidas extraordinárias no meio do furacão nefasto que é o intervalo entre nascer e morrer. E claro, ter a perícia de saber brincar-dançar com as palavras. Nós, os humanos, apesar de tudo, somos uma grande invenção. Rir da desgraça, rir da decadência, rir simplesmente, é um remédio poderoso.
Podia rir-me, por exemplo, de ter um pai que, não sendo o modelo de pai canónico, aquele que se ocupa de cuidar dos filhos antes de si próprio, me dá vontade de rir, como muitas vezes deu de chorar. O velho é um filho da mãe safado com graça, e embora tenda a repetir-se nas suas façanhas de macho alfa, tem nas suas histórias de fanfarrão um sentido profilático do humor. Penso sempre no meu pai nu ou armado, o que pode vir a dar ao mesmo. Armado, porque tudo para ele é motivo de conflito, disputa e acusação. Nu, porque sofre do vício das mulheres. Nunca estive com ele sem que deixasse de falar das mil mulheres a quem dedicou a sua pujança de garanhão.
O que é a Felicidade? Um chocolate quente na sala com a chuva a cair lá fora, por exemplo? As memórias de quando fomos felizes? Li uma vez, e achei um exagero, que um estudo defende que a memória mais duradoura nas células do cérebro é a dos cheiros. Até que, um dia, senti um cheiro que me fez recuar a um tempo em que eu deveria ter três anos e percebi que sim, esse estudo é capaz de estar certo. Sou como o Woody Allen quando diz que deveríamos viver a vida ao contrário. O judeu de Nova-Iorque é da opinião de que o dinheiro da reforma deveria ser para gastarmos enquanto somos novos e, no fim, podemos morrer com um orgasmo. Falas das corridas de F1 e ainda hoje li a notícia da morte do Sterling Moss, aos 90 anos, que disse que era feliz a fazer o que gostava e, ainda por cima, lhe pagavam para isso. Como sustenta o Herman José: o dinheiro não dá felicidade, mas manda ir buscar. Contava ainda o George Best, o futebolista genial do Manchester United, que todo o dinheiro que ganhou, gastou-o em mulheres e bebida. E o que lhe sobrou, gastou-o mal gasto.
Estas partilhas, que vamos fazendo públicas, e suscitam comentários imediatos, alerto-o, por mim, e creio por ti, são a narrativa das mais puras das verdades. Por outro lado, não as considero tempo perdido ou uma forma de gastar o tédio dos dias confinado, e nunca, mas nunca, escrevê-las à pressa, descarregando-as sem as rever, cortar, limar, polir e aperfeiçoar com todos os detalhes. Prefiro espaçá-las, sem nenhum imperativo de as escrever, ou de que me respondas forçado, como se houvera um compromisso com os leitores (a não ser que estes nos digam, queremos contribuir para a vossa causa, queremos cartas diárias, e mais tarde, umas vez compiladas por um editor generoso, nos enviem uns trocos para casa).
Eis um tema na ordem de todos os dias: o custo e a paga. Isto, por exemplo, é uma troca de correspondência, mas sem pretensões agostinianas, falo de Agostinho da Silva, e as suas míticas Sete Cartas a um Jovem Filósofo, rilkianas, de Rainer Maria Rilke, autor máximo do género com as suas Cartas a um Jovem Poeta, ou mesmo do teu conhecido Christopher Hitchens, polemista autor das Letters to a young contrarian, nomeado por Gore Vidal como o seu sucessor, e em quem Susan Sontag viu brilhantismo epistolar, género onde outros tendem a praticar o cliché.
Temos um método e um objetivo: chegar às 40, número bíblico do sofrimento cristão, jornada iniciática, providencial. Porventura este falso cativeiro irá prolongar-se além desta quarentena, e aí, por mais vividos e aventureiros, teremos esgotado os superlativos temas das nossas autobiografias prematuras (somos jovens de 48 anos, tu ainda por completar).
Notemos aos que nos lêem que nunca combinamos o tema do dia. A magia de escrever, realista ou surrealista, é como tudo nasce de onde nos venham as ganas.
Portas o facho da esperança ou da ironia ou fintaste a ti próprio? És tu um niilista ou um crente (nem que seja nas virtudes lenitivas do vinho?). Tu, que lês e bebes na História, achas que o mundo vai mudar para melhor ou não andaremos de crise em crise com interlúdios de fraternidade universal, até à extinção? A aldeia global não é uma grande farsa? Que sabe um inuit por aí além de um português ou que sabemos nós dos esquimós para além de iglus e beijos de nariz a dar e dar (por ora proibidos)?
Quando me vejo asfixiado, agrilhoado (como Prometeu), preso num colete de forças, atiro-me ao que me pode salvar-evadir, a escrita-a viagem, mormente, como se escrever-viajar me devolvessem o sentido de pertença a um mundo que sei condenado. A nossa geração não conhecia, até aqui, mais do que o drama dos recibos verdes. Fome, guerra, doença, miséria, são realidades para a maioria de nós desconhecidas. Haverá filhos de quem foi à guerra que padeçam de males que não serão menores, como o da rejeição e do abandono ou da violência doméstica (que também é a dos pais sofre os filhos). As nossas guerras têm sido outras: a do trabalho precário, sobretudo. Chamar guerra ao que se passa é um ultraje. Será do hino termos que ir logo apelar às armas? E os barões assinalados, os donos disto tudo, que farão eles neste momento a não ser acautelar os seus interesses, proteger as suas perdas, inventando outras formar de lucrar como lacraus e abutres e saqueadores de outroras e agoras?
Foi Nietzsche quem celebrizou a expressão “Deus está morto!”. E sabe-se que, quando o filósofo morreu, escreveram nas paredes da cidade “Nietzsche está morto! Assinado: Deus”. Agora, digo-te: Nietzsche e Deus estão mortos, mas nós ainda não. A diferença é que podemos ler Nietzsche, mas ele nunca nos leu nem o vai fazer. Estamos condenados a repetir gestos e palavras, condenados a sofrer porque ousámos cometer o mesmo erro dos homens livres: amar a vida. E não preciso da autorização de Deus para amar o quer que seja, para ser pleno, para ousar e errar. Tenho demasiada experiência para ter agora de andar a pedir licença para escrever o que me apetece, quando apetece. Tenho pouco tempo a perder porque sei que ainda tenho muito para conhecer, viajar e aprender. É precisamente isso que me dita a experiência.
Ao meu filho, já o proibi de crescer, mas ele insiste e diz que não pode fazer nada para evitar. Que é a ordem natural das coisas, responde com um sorriso. Em 2006 publiquei o livro “Abril Sangrento” (Edições Polvo, 2006), uma distopia sobre como seria Portugal caso o 25 de Abril tivesse degenerado num golpe militar sangrento, com o massacre de todos que estavam no Largo do Carmo. O personagem principal era um jornalista, Sebastião Saraiva, um jovem de 22 anos, que trabalhava desde Setembro de 1993 no jornal “Lusitânia”, dirigido por João Soares e que tinha Pedro Santana Lopes como Editor. A dada altura, diz o jornalista: “A minha pouca experiência na altura (repito, tinha 22 anos apenas) levou-me a ter, ‘arrogantemente’, mais certezas do que dúvidas”. Perguntaram-me se era mesmo aquilo que queria escrever. Se não era o contrário: um jovem deve ter mais dúvidas do que certezas, não? Expliquei que era mesmo isso: temos mais certeza quando somos jovens do que quando temos mais experiência. Porquê? Ora, porque só com a experiência é que aprendemos a não ter certeza e isso só acontece depois dos enganos que temos em juventude.
Na Grécia antiga, estava um matemático sentado numa estrada, muito triste. Um filósofo que passava, abordou-o:
– O que se passa? – perguntou o filósofo.
– Estou triste – respondeu o matemático.
– Então porquê?
– Porque não tenho um problema para resolver…
– Mas, está triste por causa disso? – perguntou, espantado, o filósofo.
– Pois é – confirmou o matemático, que acrescentou: Sabe, eu gosto de resolver problemas. E agora não tenho nenhum…
– Mas, isso é um problema! – exclamou o filósofo!
– Então e como é o vamos resolver?
– Pois não sei – respondeu o filósofo que, sem saber o que poderia fazer, sentou-se ao lado do matemático e ficaram ambos tristes.
Um político ia a passar e viu ambos, matemático e filósofo, tristes. E perguntou o que passava.
– O matemático não tem um problema para resolver e eu não sei como resolver esse problema – explicou o filósofo.
O político sorriu e disse:
– Não há problema nenhum! Eu ajudo-vos!
– A sério? Como? – perguntaram filósofo e matemático quase em uníssono.
– Simples: o matemático vai pensar numa questão filosófica para colocar e, em troca, o filósofo pensa num problema matemático. Assim, cada um terá um problema para resolver!
– Mas, isso não faz parte das minhas competências! Eu não percebo de filosofia – respondeu o matemático.
– E eu não percebo de matemática – informou o filósofo, surpreendido com a proposta do político.
– Não quero saber. Isso agora é com cada um de vocês. Eu limitei-me a apresentar uma solução para os vossos problemas. Agora, vocês é que sabem o que podem – e, dito isto, o político continuou, triunfante, o seu caminho.
Conclusão: um político não precisa de entender de matemática ou de filosofia para apresentar soluções. Se depois os problemas não se resolvem, é porque nem matemáticos e filósofos os sabem resolver!
Frederico Duarte Carvalho
Retirado do Facebook | Mural de Frederico Duarte Carvalho
Hoje é o dia da bandeira. Olhem para as cinco quinas dentro dos cinco escudos. 5×5 dá 25. Hoje é o dia 25. Olhem depois, à volta das quinas e dos escudos os 7 castelos. Estamos em Julho, o mês 7. Hoje, dia 25 de Julho faz anos que, em 1109, nasceu o primeiro rei de Portugal. Dia de Santiago. A 25 de Julho de 1139, no dia em que D. Afonso Henriques fez 30 anos, venceu a Batalha de Ourique e sagrou-se rei de Portugal. Rei do País que tem hoje esta bandeira, com os mesmos cinco escudos das cinco quinas e dos sete castelos. 25 de Julho é a data inscrita na nossa bandeira, que mesmo verde e vermelha, tem o azul e branco da primeira bandeira, a de D. Afonso Henriques. Hoje, 25 de Julho, não podendo ser Dia de Portugal, ao menos que se diga que é o Dia da Bandeira.
Retirado do Facebook | Mural de Frederico Duarte Carvalho