Querido Tiago | Brindemos então aos nossos amores! | Frederico Duarte Carvalho

Querido Tiago,

Brindemos então aos nossos amores! Que as nossas mulheres nunca fiquem viúvas e que venha mais uma garrafa de rum! Sim, poderia falar das mulheres que amei e amo, mas não seria justo para elas nem para aquelas que, sabe-se lá, podem um dia também vir a querer amar-me! Tu tiveste uma vida de casado com uma figura pública e há essa história, linda, da coincidência da mensagem no telemóvel enquanto ambos, sem o saberem, estão praticamente na mesma rua. É de filme. No meu caso, tive os meus filmes, as minhas coincidências, as minhas certezas, incertezas, paixões e entregas. A todas que amei, amei. No meio disto tudo, houve um filho. O meu único filho, Álvaro. É hoje o homem que eu amo. Um loiraço de olhos azuis, inteligente, com personalidade e excelente jogador de ténis.

Poderia contar-te a minha vida amorosa, pois a mesmo é um livro aberto, mas só deve ser lido por quem partilha comigo os dias e o leito. Não me apetece causar enfado nos leitores com histórias alegres e tristes de paixões e traições. Mas, confesso que amei. Aliás, só consigo funcionar todos os dias se estiver apaixonado. Apaixonado por uma pessoa ou por uma ideia. Sem isso, não vale a pena sair da cama. Claro que também há paixões que podem justificar dias e dias passados numa cama. Precisamente por andar constantemente apaixonado, não me incomodavam carros em demasia na rua e pessoas em autocarros cheios, porque, para mim, são como se não existissem. Estão ali apenas para fazer cenário. No meu mundo de apaixonado, só existo eu e o meu estranho e obscuro objecto de paixão.

Conheces as tiras da Mafalda, pelo Quino? Há uma, tão ternurenta, em que a Mafalda encontra uma foto antiga do pai. E pergunta se aquele é mesmo ele. O pai, que estava a vestir-se para sair de casa, confirma. E responde a pequena Mafalda: “Na verdade, és mais bonito agora”. O quadradinho seguinte e último dessa tira é o pai de Mafalda, de pé, num autocarro a abarrotar estilo “lata de sardinha”. Mas, ele está feliz. Sorri perante a indignação dos outros passageiros que comentam: “E aquele ali todo contente? Deve ser masoquista!”. Sou o pai de Mafalda quando ela diz que sou bonito. Sou o tipo que vai a sorrir no autocarro cheio de gente triste, sozinha, sem ninguém que os ame. Sou aquele que anda na cidade sem pessoas, na cidade fria e triste sem vida, mas que caminha com o coração cheio e olha para todas lojas, fachadas e detalhes das decorações dos edifícios, azulejos e ouve passarinhos, alimenta-se do silêncio porque é dentro do meu coração que sinto a música e as vozes de quem me ama. Só assim faz sentido viver: em permanente estado de paixão. Infeliz de quem não ama, pois não sabe o que é ser amado. Poderia dizer isto e todo o seu contrário.

Poderia explicar-te que o amor é uma droga. Bem pior do que a religião e o ópio. Pior do que a guerra, até. O amor é irracional, logo nunca poderá ser bom para o ser humano. Basta-nos ver que essa coisa da Natureza, juntar homem e mulher para garantir a reprodução da espécie, – caramba -, é igual em todos os animais. Todos têm jogos de sedução. A sedução é apenas uma manifestação animalesca. O órgão sexual mais poderoso no Ser Humano é o cérebro, onde todo o “amor” se manifesta em reacções químicas, perfeitamente identificáveis e previsíveis. Um dia, uma amiga minha veio bater-me à porta de casa. Sem avisar. Nesse momento, estava a sair para ir a casa de um amigo e sugeri-lhe que viesse comigo. A casa era ali ao lado. A 10 minutos a pé. Eu sabia que ela andava em baixo e precisava de algumas palavras doces. Durante o caminho pensei: “Chega lá, o gajo mete umas músicas brasileiras e esta fica”. Tiago, sim, ela ficou lá em casa com ele quando eu saí. Ainda hoje, passados mais de 25 anos, são um casal feliz. Por isso, o que é o amor senão uma conjugação de factores, alguns até controláveis e facilmente reproduzíveis em laboratório?

John Le Carré, por exemplo, é mestre em explorar esses sentimentos. Recomendo, por exemplo, “A Rapariga do Tambor”, onde os serviços secretos israelitas inventam uma história de amor para servir de fachada à infiltração de uma agente dentro de um grupo terrorista palestinano. Sabes lá se aquela mensagem no teu telemóvel não seria uma armadilha preparada por alguém com exactos conhecimentos de que, naquele dia, àquela hora, irias estar naquela rua? Sabes lá se não foste seguido até o Careca, onde há croissants exageradamente açucarados? Estou a brincar, pois não tens “valor” suficiente para seres recrutado por uma agência de espionagem internacional, mas que isso daria tema para belas histórias de espionagem, daria. Como disse: Le Carré está rico à custa de enredos desse tipo.

Dizes que choraste ao ouvir o Fado. Big deal! E depois? É para isso que o fado serve. Sucumbiste. Dizes que as coincidências acontecem. Claro. Nesse dia da mensagem para o telemóvel, tiveste um encontro com a tua futura mulher apenas porque calhou. Porque, se o telemóvel estivesse sem bateria, provavelmente só a irias ver muito mais tarde. Já ela tinha saído da loja e tu, entretanto, pelo caminho, terias, sei lá, topado uma outra garina qualquer na rua e que te fez perder o encontro com aquele destino, mas colocou-te no caminho de um outro. Adoro essas coincidências do destino. Aliás, tenho um encontro marcado com o destino, com uma outra pessoa que também o sabe. Só não sei quem é essa pessoa, nem ela sabe que é comigo. Mas, sabemos que temos um encontro marcado quando isso acontecer. Contudo, pode ainda dar-se o caso de ambos falharmos no dia e hora e perdermo-nos. Teremos então de voltar a esperar mais mil anos em agonia para que esse momento aconteça. Mil anos. Só? Vou esperar. Sei que vai valer a pena.

Abraço

Até amanhã

Tiago Salazar

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