Querido Tiago | Aos meus amores. Aos nossos amores. | Frederico Duarte Carvalho

Querido Tiago,

Aos meus amores. Aos nossos amores. Sim, já fui infiel. Fui a mim próprio, por não ter sabido a tempo revelar, com palavras, aquilo que tentava ocultar com actos. Sempre tive espaço para muitas mulheres nos quartos do meu coração, como qualquer homem. Só que era uma de cada vez. Lidar com uma mulher é, por si só, um mistério tão grande, um labirinto tão atractivo e profundo onde nos queremos perder e perder sem encontrar a saída, que não vejo como seja possível manter dois amores ao mesmo tempo. O que me faz ficar? O que faz saber que vale a pena acordar todos os dias e amar mais do que ontem? Não é um bom par de seios, ancas ou traseiro desejável. Não é nada disso que, para mim, faz a Vénus ser de Milo. Existe uma única coisa que sei que é capaz de sobrepor a um nariz que podia ser mais pequeno, lábios que podiam ser mais grossos, dentes em melhores condições, uma personalidade mais sociável. O que consegue minimizar os defeitos são os olhos. Os olhos. Olhos no olhar de uma mulher. É o momento em que sei que fui captivado e estou rendido a uma pessoa. É como se fosse o Mel Ferrer, no “Guerra e Paz” do King Vidor, a apreciar a Audrey Hepburn enquanto dança no grande salão com outra pessoa, e dizer para mim próprio: “Se na próxima volta ela olhar para mim e sorrir, será a minha mulher”. É assim que, em geral, tenho gerido a minha vida sentimental.

Continuar a ler

Querido Fred, Frederico Duarte Carvalho | Estes vaivéns são como bate-bolas | Tiago Salazar

Estes vaivéns são como bate-bolas (intelectuais, sentimentais). Temo viciar-me neles para além da quarentena, e se tu me falhares, ver-me forçado a criar um interlocutor (alter-ego) do teu calibre, o que não será fácil. Isto de contar histórias há que vivê-las para contá-las. Memórias de mis putas tristes e Vivir para Contar La, de Gabo, são dois exemplos máximos de como há vidas extraordinárias no meio do furacão nefasto que é o intervalo entre nascer e morrer. E claro, ter a perícia de saber brincar-dançar com as palavras. Nós, os humanos, apesar de tudo, somos uma grande invenção. Rir da desgraça, rir da decadência, rir simplesmente, é um remédio poderoso.

Podia rir-me, por exemplo, de ter um pai que, não sendo o modelo de pai canónico, aquele que se ocupa de cuidar dos filhos antes de si próprio, me dá vontade de rir, como muitas vezes deu de chorar. O velho é um filho da mãe safado com graça, e embora tenda a repetir-se nas suas façanhas de macho alfa, tem nas suas histórias de fanfarrão um sentido profilático do humor. Penso sempre no meu pai nu ou armado, o que pode vir a dar ao mesmo. Armado, porque tudo para ele é motivo de conflito, disputa e acusação. Nu, porque sofre do vício das mulheres. Nunca estive com ele sem que deixasse de falar das mil mulheres a quem dedicou a sua pujança de garanhão.

Continuar a ler