Querido Fred, Frederico Duarte Carvalho | Estes vaivéns são como bate-bolas | Tiago Salazar

Estes vaivéns são como bate-bolas (intelectuais, sentimentais). Temo viciar-me neles para além da quarentena, e se tu me falhares, ver-me forçado a criar um interlocutor (alter-ego) do teu calibre, o que não será fácil. Isto de contar histórias há que vivê-las para contá-las. Memórias de mis putas tristes e Vivir para Contar La, de Gabo, são dois exemplos máximos de como há vidas extraordinárias no meio do furacão nefasto que é o intervalo entre nascer e morrer. E claro, ter a perícia de saber brincar-dançar com as palavras. Nós, os humanos, apesar de tudo, somos uma grande invenção. Rir da desgraça, rir da decadência, rir simplesmente, é um remédio poderoso.

Podia rir-me, por exemplo, de ter um pai que, não sendo o modelo de pai canónico, aquele que se ocupa de cuidar dos filhos antes de si próprio, me dá vontade de rir, como muitas vezes deu de chorar. O velho é um filho da mãe safado com graça, e embora tenda a repetir-se nas suas façanhas de macho alfa, tem nas suas histórias de fanfarrão um sentido profilático do humor. Penso sempre no meu pai nu ou armado, o que pode vir a dar ao mesmo. Armado, porque tudo para ele é motivo de conflito, disputa e acusação. Nu, porque sofre do vício das mulheres. Nunca estive com ele sem que deixasse de falar das mil mulheres a quem dedicou a sua pujança de garanhão.

Quando a minha mãe lhe pôs as malas à porta era demasiado jovem para entender o que se passava. Sei que a primeira vez que andei de avião foi graças à descoberta de um caso (de Casanova) do meu pai. Devia ter uns 8 anos. Fui até ao Algarve com a minha mãe, que me levou para o embaraçar na hora de ser apanhado em flagrante delito. Recordo, a espaços, a chegada a uma casa, onde apareceu uma mulher de robe, e de ver o meu pai ao fundo de um corredor, deitado numa cama. Não houve gritos nem insultos nesse dia. Voltámos de avião e ao entrar em casa da minha avó soube que estava decretada a sentença. O meu pai voltou no dia seguinte, e ainda terá estado por ali a esgrimir a sua redenção. Não era a primeira vez que o fazia, nem seria a última, e pelo que se passou nos quarenta anos seguintes com outra mulher, só terá fim no sepulcro.
O que explica o adultério, a propensão para a conquista, é matéria de peso. Pode ser encarado como um vício, igual ao jogo, ou uma defesa contra a possibilidade de vir a ser cornudo, jogando o autor por antecipação. Não cresci ao lado do meu pai, mas tudo fiz para o conhecer e superar o fantasma do abandono e rejeição. Isto porque eu sou filho deste homem, tenho os seus genes, e também eu fui muitas vezes por aí. Tenho estas notas no meu diário:

Como lidar com o Desejo? Isto sem magoar, ferir?
O Marley, o Mourão Ferreira… todos os homens que caíram no vício da sedução são maus homens? Fizeram um mau trabalho espiritual?

Viver ultrapassa o entendimento e não posso explicar isto segundo o marialvismo ribatejano, o gene egoísta ou a natureza dos machos. É certo que ninguém quer que lhe façam o mesmo, e uma traição é uma traição. O mais simples é dizer: este sou eu, um viciado no erotismo. E acatar as consequências. Ou então, achar a tampa para o seu tacho, vivendo na liberdade do soneto do amor total, em que ambas as partes se dão em igualdade de circunstâncias. Pode ser o chamado amor livre ou o compromisso da lealdade sem fidelidade sexual. Não pode haver moralismo nisto. A monogamia é uma conquista das sociedades organizadas. Sem ela é o caos, a anarquia incivilizada. Melhor dizer, o amor é eterno e leal enquanto durar. Já me vi viver inteiro em relações ditas de amor mútuo e respeito muito, e já descambei para esse tornado de Casanova. Não tenho vergonha do que fiz, nas pisadas do meu pai, mas ocupo de viver o pleno quando tenho essa possibilidade, porque nunca se poderá chamar de amor ao que saia da dança do dois (a dois). É assustador para quem lida com gente assim, de reputação duvidosa, como será para quem escolhe (escolherá?) amar um degenerado, um mafioso, um bandido. No fundo, trata-se de aceitar que todos têm direito à regeneração e a ser perdoados pelas suas falhas.

um abraço

P.S. Gabo foi casado décadas com Mercedes e era propenso a aventuras extra-conjugais que a mulher tolerava, pois não passavam de encantamentos e motivos para a criação de personagens femininas. Dizia o colombiano que o seu coração tinha muitos quartos, mas o maior era dela.

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