SÓ PARA NÃO ESQUECER | Paulo Marques

Há quatro décadas Portugal era um país triste, pobre, atrasado e analfabeto, em guerra em três colónias (que se arrastou por treze penosos anos). Nesse tempo, os mais audazes partiam rumo à emigração e os que ficavam tinham de se sujeitar às regras dum país pequenino e mesquinho, conservador e moralista, em que o lápis azul da censura “selecionava” o que os portugueses podiam ou não saber. Uma moral castradora que cortava o beijo do filme Casablanca, proibia os Beatles e a Coca-Cola, punia com multa um beijo na boca em público…

As palavras de ordem eram «é proibido», «não se faz», «é pecado», «parece mal»: Era necessária uma licença do Estado para usar um isqueiro; Estavam proibidos os «ajuntamentos de mais de três pessoas» na via pública; Também o divórcio era proibido (para os católicos), pelo que, todas as crianças nascidas de uma nova relação posterior ao casamento eram consideradas ilegítimas; Parecia mal uma mulher entrar na igreja de cabeça descoberta, era proibido ir de minissaia para o liceu, usar biquíni na praia, ausentar-se para o estrangeiro sem o consentimento do marido; Uma enfermeira ou hospedeira do ar não podiam casar e uma professora para o fazer teria de pedir autorização superior, sendo o pretendente obrigado a apresentar dois atestados: um de bom comportamento moral e cívico e outro em como auferia rendimento superior ao da futura esposa, fazendo justificação de possuir meios suficientes para a sustentar.
Possuíamos um Estado regulador até ao mais ínfimo pormenor, com um aparelho repressivo e controlador assente numa legião de pides e de bufos. Quando a 4 de agosto de 1974 a «Comissão de Extinção da PIDE e da Legião Portuguesa» dá a conhecer o poder da máquina repressiva, da mais velha e conservadora ditadura europeia, o país fica a saber que a polícia política possuía qualquer coisa como 2162 funcionários, cerca de 20 000 informadores, 80 000 legionários com 600 informadores e 200 elementos da Força Automóvel de Choque.

Escreveu António de Almeida Santos: «Um pide em cada mesa de café; um censor em cada jornal; um pé-de-cabra em cada porta; um preso político em cada família; um travão em cada vontade; um susto em cada consciência».

Só para não esquecer.

Paulo Marques

Retirado do Facebook | Mural de Paulo Marques

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