UE | UMA VISÃO OPTIMISTA, APESAR DE TUDO | Do lado certo da história | Bernardo Pires de Lima

A proposta franco-alemã vai muito além dos 500 mil milhões de euros. Responde à enésima crise europeia, forjando o aprofundamento da integração, reflete a evolução qualitativa no debate alemão e tem a ambição de moldar positivamente a globalização. Cinco páginas que podem ficar na história.

Já dizia Jean Monnet, o europeu nunca eleito mais importante do pós-Guerra, que a “Europa será forjada em crises”. Caro Monnet: tem sido na mouche. Guerras totais ou regionais forçaram a paz improvável entre a França e a Alemanha ou entre repúblicas da antiga Jugoslávia. Crises económicas ou choques geopolíticos aceleram adesões, transições democráticas e transferências voluntárias de soberania para fortalecer políticas comuns. Crises e integração europeia têm andado de braço dado desde sempre. Por outras palavras, a consolidação da paz, através do comércio e da diplomacia, e o alargamento da geografia democrática, têm sido as duas grandes estratégias de sucesso destes 70 anos de Europa progressivamente integrada.

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O comentário mais antigo aos Evangelhos em latim | Frederico Lourenço

Em 2012, o latinista austríaco Lukas Dorfbauer fez uma descoberta sensacional no fundo de manuscritos da catedral de Colónia. Descobriu o mais antigo comentário aos Evangelhos em latim, que desaparecera de vista na época carolíngia. Escrito no século IV por Fortunaciano, bispo de Aquileia, este texto transporta-nos directamente para o cristianismo pré- e pós- constantiniano: «pré-» porque quando Fortunaciano nasceu, no início do século IV, o cristianismo era ainda uma religião ilegal, cujos adeptos a praticavam com risco de vida; «pós-» porque Fortunaciano teve a fortuna (quiçá plasmada no seu nome) de pertencer à geração que viveu com alegria a despenalização da fé cristã e se confrontou com a realidade surpreendente de um novo cristão no seu meio: o próprio imperador Constantino. Este supremo benfeitor da igreja (que não viu incompatibilidade entre ser cristão e mandar matar a mulher e o filho, entre muitas outras acções condenáveis à luz dos ensinamentos de Jesus) legou ao cristianismo uma tensão que até hoje não está resolvida: e essa tensão reside na permissibilidade de alguém se intitular cristão, e de ser incentivado nessa auto-percepção pela hierarquia esclesiástica (sobretudo se for rico e poderoso), sem precisar de pôr em prática quase nada do que Jesus ensinou. Penso muito em Constantino cada vez que vejo a corte de pastores evangélicos à volta de Trump e de Bolsonaro – e, para não batermos só nos evangélicos, não esqueçamos como os vários papas nunca deram a Pinochet, a Franco ou a Salazar motivo para auto-questionarem a sua identidade de bons católicos.

 

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O Harakiri de uma civilização | Carlos Matos Gomes

Uma ideia de explicação para os aviões cheios e os espetáculos a meia casa

Aviões a 100%?! “Expliquem-me, como se eu fosse uma criança”, pedem tantos bons amigos. É o título da crónica de uma jornalista do DN. Outros apontam o seu desapontamento contra a Diretora Geral de Saúde: perdeu toda a credibilidade! Então o vírus mata numa sala de espetáculos e não mata num avião!

Esta é a minha humilde explicação. A decisão faz todo o sentido dentro dos princípios da nossa civilização. É racional. É uma resposta de sobrevivência da nossa velha civilização. Mais, é a decisão que permite responder ao vírus, isto é, pagar os serviços públicos de saúde que lhe responderam e os serviços de segurança social públicos que permitiram a sobrevivência de tantos europeus que viram os seus rendimentos diminuírem ou desapareceram precisamente por os aviões não voarem. E eles, os aviões comerciais, a aviação comercial com todos os serviços associados, aeroportuários, logística, foram desenhados para gerarem lucro (ou riqueza) apenas se os aviões voarem cheios, ou perto disso (+ de 75% da capacidade).

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