O CONFLITO na UCRÂNIA – OS ERROS – O FUTURO | Miguel Mattos Chaves

AVISO: esta análise não tem “sound bites” nem “estados de alma”, nem obedece a “desejos do políticamente correcto”, pelo que poderá ser desinteressante para os espíritos que vivem da “espuma do dia” e do “sensacional”.

Comecemos então:

O Presidente de França Emannuel Macron afirmou há dias algo que me parece de elementar lucidez:

– “esta crise não é sobre a Ucrânia, mas sim sobre a NATO e sobre a segurança da Rússia”.

Tenho escrito por diversas vezes, ao longo dos anos, que alguns dirigentes de países europeus e alguns dirigentes políticos dos Estados Unidos têm cedido demasiado ao “politicamente correcto” imposto pela esquerda, quer pela comunicação social, quer pelas redes sociais.

Numa palavra, os dirigentes políticos dos países ocidentais, com muito raras excepções, não têm um pensamento estratégico, nem uma visão do médio e longo prazo em práticamente todas as matérias, neste caso, sobre o desenho da política internacional e sobre a forma de estabilização do Sistema Internacional.

Vivem apenas do dia-a-dia, vivem da “espuma dos dias”, vivem dos “sound bites”, preocupando-se apenas em como vão aparecer nas notícias do dia seguinte, nos meios de comunicação social ou nas redes sociais.

Convido-vos agora a acompanhar-me numa análise que faço sobre a questão que agora vivemos no leste da Europa.

(1). – PORTUGAL e a UCRÂNIA na ONU

Em 1945 Portugal foi insistentemente convidado pelos Estados Unidos e pela Inglaterra a assinar a Carta de São Francisco, a qual foi ratificada por 50 Estados, em Junho desse ano.

Mas a nossa entrada na organização foi então vetada pela Rússia comunista (URSS).

Ora apesar de os Estados Unidos e o Reino Unido terem pedido a Portugal que aderisse e fosse membro fundador da Organização das Nações Unidas (ONU) o nosso país só aderiu em 1956 depois de demoradas negociações entre ingleses, americanos e russos.

Porquê? Porque a Rússia só cedeu à pressão de americanos e ingleses, se estes aceitassem em contrapartida a admissão da Ucrânia e da Bielorrússia.

A questão que se colocava era a de que tanto a Ucrânia como a Bielorrússia eram países satélites da Rússia e, portanto, sem direito de entrar na organização.

Isto porque a ONU foi criada para acolher no seu seio apenas países Independentes, com Estados Soberanos que os representassem.

O que não era o caso de nenhum dos dois citados.

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Mesmo mais tarde quando o presidente da Rússia comunista, Nikita Khrushchov, sucessor de Josef Estaline, concedeu uma autonomia alargada à Ucrânia, talvez por ele próprio ser ucraniano, esta continuava a não ter as condições de base prescritas na Carta fundadora da ONU.

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(2). – A ACTUALIDADE próxima

Relembro estes factos para remarcar que a Rússia cristã-ortodoxa e conservadora de hoje não é muito diferente, no que se refere à visão de política territorial e à visão de política externa, das visões do tempo dos Czares, nem do tempo da União Soviética, pois o seu sentido imperial manteve-se e continua a manter-se.

A noção da manutenção de zonas de influência e de protecção do seu espaço mantêm-se inalteradas.

Tudo isto é do conhecimento dos estudiosos da política internacional e deveria ser do conhecimento dos dirigentes políticos. Se o fosse, muito do que está a acontecer poderia e deveria ter sido evitado.

Sobretudo por parte dos dirigentes políticos dos Estados Unidos da América que adpotaram, desde o final da segunda guerra mundial, uma política semelhante de controlarem e manterem zonas de influência e de protecção do seu espaço, sobretudo (mas não só) na América Latina.

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(3). – QUANTO À EUROPA

Desde o final da segunda grande guerra que os países europeus se habituaram a ter “o chapéu” de defesa dos Estados Unidos, os quais contribuíram com cerca de 90% das despesas de defesa militar desses países e contribuem ainda actualmente com cerca de 78% nas despesas da NATO.

Na verdade, durante as décadas de 1950 e de 1960, tal “chapéu defensivo” justificava-se plenamente porque a Europa tinha saído da guerra completamente destruída. Com fome nas suas populações, sem infra-estruturas de abastecimento de água, de energia eléctrica, enfim sem condições de investirem no campo da defesa militar, tanto em equipamentos, como em homens. As prioridades naturais eram a reconstrução das habitações, da economia e do emprego.

Mas também é verdade que a partir do final da década de 1960 os diversos países deveriam ter começado a tratar da sua defesa militar preventiva e aumentado os seus orçamentos de defesa que até aí andavam (excepto no Reino Unido) à volta dos 0,7% a 0,9%.

Para tal facto da necessidade de aumentarem os seus orçamentos de defesa, foram sucessivamente alertados pelos diversos Presidentes Americanos, até que sob a pressão do 45º Presidente Americano foram forçados a encararem de frente esse problema, embora com muitos protestos. Mesmo assim, em média os investimentos em defesa do último ano subiram apenas em média para 1,5%.

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Isto foi um erro monumental dos dirigentes e da opinião pública dos países europeus, que agora fica à vista de todos.

Com os dirigentes políticos fracos que temos, (ou serão antes utópicos e ignorantes) sobretudo a partir da década de 1980, com uma opinião pública que tinha como certa a “Paz Eterna” de Kant, o quadro de capacidade de dissuasão militar do ocidente europeu, que evitasse qualquer tentativa militar por parte da Rússia, é inexistente como se vê, com as consequências que agora, repito, são visíveis.

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(4). – MAIS ALGUNS DADOS do PROBLEMA

Ora os dirigentes Russos estão a par deste quadro de fraqueza absoluta, em matéria de defesa, de capacidade de dissuasão militar, dos diversos países europeus e sabem muito bem duas coisas:

– Que nenhum país europeu ocidental tem forças armadas suficientemente poderosas para dissuadirem qualquer acção sua no Leste Europeu, ou, muito menos, de os enfrentarem militarmente;

– Que os Estados Unidos têm neste momento (o 46º Presidente) uma liderança fraca, cheia de complexos, e que não estão dispostos a intervir militarmente na Europa para defender seja quem for, depois das suas aventuras mal sucedidas no Afeganistão e Síria.

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Por outro lado, os dirigentes Russos, avisaram várias vezes desde 2010 que não queriam, aquilo que eles consideram uma ameaça à sua segurança e defesa, a NATO, nas suas fronteiras imediatas bastando-lhes que os países da NATO se comprometessem a isso por Acordos assinados. Acordos que estabeleceriam que os países limítrofes se manteriam espaços livres de organizações militares ocidentais e russas, o que não aconteceu.

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(5). – A SITUAÇÃO actual

Quando falamos da Rússia, falamos de uma das principais, a par dos EUA, potências militares, com capacidade nuclear.

Ora uma possível guerra entre países com capacidades nucleares é uma situação muito grave, pois sabe-se sempre como começam, mas nunca se sabe como e quando acabam.

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Teria sido muito positivo, repito, que os dirigentes políticos dos diversos países ocidentais tivessem, no pós-1991, acolhido e puxado a Rússia para o seu lado, constituindo o Eixo de Defesa Comum do Norte do globo – Moscovo – Berlim – Paris – Londres – Washington, ajudando assim à democratização da Rússia e à participação deste país no processo de desenvolvimento económico da Europa.

Teria sido uma forma mais eficaz de prevenir contra uma sempre possível guerra e teria evitado uma agora mais que possível concertação entre a Rússia e a China.

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Mas creio que ainda estamos a tempo de no campo da Diplomacia séria, (sem sound bites), de o conseguir, pois, a Rússia sempre foi inimiga da China e não ficará muito confortável com uma aliança com essa outra potência nuclear.

Mal comparada uma aliança desse tipo, entre a Rússia e a China, seria em tudo semelhante à Aliança celebrada em 1939 entre a Rússia comunista de Estaline e a Alemanha nazi de Hitler e os resultados a prazo poderão ser os mesmos que então. E a Rússia sabe-o bem.

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(6). – POSTO ISTO

Os dirigentes políticos da Rússia, liderados por Vladimir Putin, não deveriam enveredar por uma guerra de ocupação da Ucrânia, à luz do estipulado no Direito Internacional Público e no Direito dos Tratados.

Mas também é sabido que “As Nações não têm amigos … defendem interesses” e que a Paz se obtém, para lá do Direito, com acções concretas no campo da diplomacia e da negociação em que as duas partes perdem e ganham ambas algo. O jogo de soma zero.

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E agora perante esta situação, resta saber o que pretendem realmente os dirigentes políticos da Rússia?

Será que pretendem apenas enfraquecer o ânimo dos ucranianos e formar um governo fantoche e uma ditadura, de fachada democrática, mantendo assim a Ucrânia afastada da NATO e da U.E.?

Será que pretendem forçar, perante estas acções militares, os dirigentes políticos dos diversos países da NATO a acordarem para a realidade e forçá-los a um acordo que vá de encontro a uma situação de neutralidade militar, nos países que consigo fazem fronteira?

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Veremos, pois ainda é cedo para se perceber o que é que se passa na cabeça dos diversos dirigentes políticos, tanto da Rússia, como dos nossos países aliados tradicionais.

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Uma coisa é certa, a política dos “sound bites” seguida no campo ocidental, através dos meios de comunicação social, que atacam em todas as frentes e a cacofonia informativa que daí resulta, são claramente um mau serviço prestado à Ucrânia e à paz na Europa.

Há que noticiar aquilo que está a acontecer, não aquilo que pensam que está a acontecer.

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(7). – CONCLUSÃO

A Rússia está a violar os princípios do Direito Internacional!

A China prepara-se para o fazer, em relação a Taiwan!

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Face a estas ameaças, os diversos países europeus, por falta de capacidade de dissuasão militar, são irrelevantes e impotentes!

Isto por falta de visão e de capacidade política dos seus dirigentes políticos;

Bem como por falta de apoio da opinião pública em matéria de se contruírem forças armadas capazes e fortes, que dissuadam o aparecimento de situações graves de potencial conflito, como a actual.

Opinião pública dominada por pseudo-cientistas políticos e pseudo-filósofos, dos países ocidentais, que “decretaram” que se tinha atingido a “Paz Eterna de Kant” e que, portanto, os países ocidentais já não precisavam de Forças Armadas!

Aí está!

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As Potências mundiais, EUA, Rússia e China tem sobrecapacidades militares e económicas para desrespeitarem o Direito internacional. É um facto. É a realidade.

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Enquanto os países ocidentais, Portugal incluído, não perceberem que têm que ter capacidades de dissuasão, Forças Armadas fortes e bem equipadas, o seu destino é o da submissão e irrelevância.

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Posto isto, face à situação atrás descrita, a segurança da Europa não será garantida pela NATO, mas sim por negociações sérias e transparentes de forma a se atingir uma relação normal dos países ocidentais com a Rússia, através de acordos sérios.

Vamos a tempo?

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Miguel Mattos Chaves

Auditor de Defesa Nacional

Retirado do Facebook | Mural de Miguel Mattos Chaves

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