José Miguel Júdice: “Rio não serve para primeiro-ministro porque não vai conseguir fazer aquilo a que se propõe” | Entrevista com Rosália Amorim e Pedro Cruz (TSF)

O líder do PSD “não serve para primeiro-ministro”, mas não deve demitir-se “se perder as eleições”, defende José Miguel Júdice. O comentador e antigo bastonário da Ordem dos Advogados deixa críticas ao programa do PSD em matéria fiscal e à “falta de energia” de Costa.

Foi ativista político. Esteve preso em Caxias depois do 25 de Abril e hoje, aos 72 anos, o antigo advogado que também já foi bastonário, deixou a toga e regressou ao comentário e à análise política.

Ouvindo os seus comentários semanais televisivos parece pessimista e desencantado. Concorda?
Se eu não fosse um otimista não tinha o programa na televisão que tenho. Continuo a acreditar que se todos e cada um de nós fizer um bocadinho o país pode melhorar. E o país está muito melhor do que o país que conheci quando era jovem, quer antes do 25 de Abril quer depois. Mas há muita coisa para melhorar, há muita coisa que é inconcebível que esteja tão mal, mas tenho uma visão muito mais positiva. Só que há uma insatisfação – ou a parte juvenil que ainda não perdi -, uma insatisfação que está dentro de mim, portanto, contribuo com a minha crítica, sem dúvida, para tentar que as coisas possam melhorar. Talvez os meus netos se interessem – os meus filhos não se interessam assim tanto – e um dia, quando estiver nos últimos momentos da vida, eles digam “avô, olhe que o que fez na televisão teve alguma importância”. Se ouvir isso dos meus netos antes de morrer, já vou mais tranquilo.

O senhor foi aquilo a que hoje se chama ativista radical. Esteve preso, foi advogado, exerceu Direito durante décadas, foi bastonário da Ordem dos Advogados, esteve com os dois pés na política, hoje voltou ao comentário. Está confortável nessa pele de analista?
Estou. Nunca estive com os dois pés na política porque nunca quis ter um cargo político, com uma única exceção: quando era presidente da Distrital de Lisboa do PSD, fui candidatar-me no concelho mais difícil, para perder evidentemente, Loures. Mas nunca tive nenhuma atividade política profissional, nunca quis ter. Quanto a esse conceito de radical, é sempre muito discutível. Se lhe dissesse que nessa altura defendia a nacionalização da banca e a reforma agrária sem indemnizações, provavelmente, estou a surpreendê-lo. Se lhe dissesse que o que eu defendia na altura, a seguir ao 25 de Abril, era o pensamento do Edgar Faure, que era um radical socialista da esquerda moderada, também o surpreenderei. Isto é, sempre fui alguém que vai ao supermercado e traz o que gosta. Nunca aceitei um prato único ou dizer que, se eu defendo isto, tenho de defender aquilo também. Muitas vezes, faço o meu prato de acordo com os produtos que me apetece e coisas que digo ou defendo irritam. Diria que, nestes anos que tenho feito comentário político, provavelmente não há nenhuma força política, nenhum dirigente político que não tivesse ficado, ao menos uma vez, irritadíssimo comigo. Ainda no programa da semana passada vários amigos meus me disseram “então, mas vais votar no António Costa?”. Não vou, não costumo dizer em quem vou votar – e não digo -, mas posso dizer em quem não vou. Mas, repare, irritei toda a direita ou quase toda – outras vezes irrito o PS e António Costa, outras vezes irrito o Presidente da República, noutras irrito a Ana Gomes, noutras até me irrito a mim próprio, portanto, é uma visão bastante divertida.

Irritar Ana Gomes parece ser um dos seus motivos de vida…
É porque ela dá luta. Admiro as pessoas que vão à luta. Não gosto de pessoas sonsas, manhosas – ela é brutal, eu também sou. O Pedro Nuno Santos, que a certa altura disse que eu era o advogado mais rico de Portugal – o que me deu uma enorme tristeza, porque gostava de ter sido… – levou uma pantufada enorme. Sou o advogado mais rico, mas nunca tive dinheiro para comprar um Porsche… Portanto, houve ali uma troca de mimos. Não tenho nada que ver com ele, nem ele comigo. Estou, aliás, preocupado com o futuro dele – no mau sentido -, mas já almoçámos juntos e já nos rimos imenso sobre o que ambos dissemos um ao outro com alguma brutalidade. Portanto, sou esse tipo de pessoa. Ser duro com as pessoas não quer dizer que não seja capaz de ter respeito e estima por elas.

Já lá vamos ao PS e ao PSD. De todas as atividades que teve, que tem, é no comentário que se sente mais livre, sem amarras, ou o cidadão acaba submetido ao analista?
Se fui alguma coisa na vida – e já não vou mudar – foi uma pessoa que bebeu o fruto da liberdade. Isto é, sou completamente livre, não há praticamente nada, a não ser os meus filhos e os meus netos, que me limite naquilo que eu possa ou queira fazer.

Sempre pus acima de tudo o direito de ser como sou em relação a qualquer cálculo que eu saberia fazer, se o quisesse. Portanto, a liberdade conduziu-me ao comentário político, é verdade – comentário político sem liberdade não faz sentido nenhum. E independência. Acho que se alguma coisa trago ao panorama do comentário político, é que não tenho agenda. Pode haver pessoas com tão pouca agenda quanto eu, mas não há ninguém que tenha menos agenda política do que eu; não tenho nenhuma intenção política, não quero nenhum papel, não quero nenhum cargo. Não quero que ganhe A, B ou C, não estou enfeudado a nenhuma estratégia ideológica ou política e, portanto, sou completamente independente. E a pergunta é boa: a análise política fez-me assim ou eu era assim e por isso é que fui para a análise política? Como tudo na vida, é interativo, as coisas aceleram-se uma à outra.

Nesta semana, dizia que o cidadão foi submetido ao analista, porque a conclusão a que chega o analista é contrária ao desejo do cidadão.

É muito engraçado. Sabe que recebi uma carta de uma pessoa, que dizia: “O senhor não tem vergonha de não defender que o Rio deve ganhar ao Costa?”, e escrevi que não tinha feito o comentário a pensar no senhor, mas é exatamente o que estou a pensar. Porque temos um problema em Portugal: as pessoas desejam uma coisa e, portanto, acham que o comentário político deve ser para ajudar a que essa coisa aconteça. E se alguém diz que uma coisa acontece, muita gente pensa que o digo porque quero que essa coisa aconteça. Tenho duas naturezas – há um bocadinho de esquizofrenia em mim, há que dizê-lo -, há coisas que quero e há outras que concluo da análise da realidade. E acho que é um erro – já saindo da ótica do comentador – que definamos a nossa estratégia pessoal por aquilo que queremos, sem nos perguntarmos e pode?, pode acontecer, é viável?

O seu comentário tinha que ver com o facto de ter defendido que Rui Rio não deveria ter a maioria dos deputados e que seria possível uma vitória de António Costa para o país não voltar às mãos da esquerda. Isto, no fundo, contraria o cidadão, colocando o analista à frente dessa missão à frente dos microfones?

Exatamente. Eu, em abstrato, não sou uma pessoa de esquerda, embora às vezes tenha dúvidas, mas não sou. Portanto, o cidadão em mim preferiria, e prefere, que o PS perca as eleições. Mas o comentador que há em mim percebe que como a realidade não encaixa aí, é um erro montar uma estratégia para tentar alcançar um objetivo que não vai ser alcançado, o efeito pode ser contraproducente. O meu papel no programa de televisão é alertar as pessoas para as consequências dos seus atos e depois cada um os toma livremente, sem qualquer espécie de problema. Reconheço que estamos numa sociedade cada vez mais tribalizada, as pessoas odeiam o outro. Tenho amigos e tenho coisas no WhatsApp em que me metem – não frequento redes sociais -, vejo pessoas serenas, sensatas, a fazerem-no; o meu irmão, que é professor catedrático matemático, é tão fanático do Benfica que dizia “eu queria que o Pinto da Costa morresse”. O meu irmão é a pessoa mais pacífica do mundo, não quer, obviamente, que ninguém morra, mas o ódio e o fanatismo clubista fazem-no dizer disparates.

Foi atacado por aquilo que disse no seu comentário desta semana?
Fui criticado, com certeza, mas isso todos os dias sou. Também sou elogiado, faz parte, vem com o pacote.

No final do dia, considera que o país fica mais bem entregue a António Costa do que a Rui Rio?
Não, não é isso que digo. O que digo é que fica mais mal entregue se for entregue a Rui Rio. Acho que fica mal entregue em qualquer dos casos, mas não há outra alternativa, os cidadãos assim querem. Portanto, o meu problema aqui são duas coisas diferentes: por um lado, acho que o Rui Rio não é fit for purpose, isto é, não tem as condições adequadas para fazer aquilo que quer, não serve. Nunca seria um bom primeiro-ministro, é a minha opinião. Além disso, se ganhar, como não há qualquer hipótese de ter maioria absoluta com base na direita democrática, vai ter uma solução instável e vai ser comido vivo, grelhado em fogo lento ou cozido em fogo brando e, de facto, não vai conseguir fazer coisa nenhuma. De certa forma, acho que vêm aí anos muito difíceis. Os próximos dois ou três anos. E diria que quem as fez que as desfaça. Isto porque, enquanto o PSD diz, e bem, que se o PS tiver mais deputados está disposto a viabilizar o governo do PS, o PS não está disposto a viabilizar um governo do PSD. Posso querer um mundo que não existe, queria… Eu contava isto a alguém: quando era muito jovem havia uma manequim famosíssima que era a Claudia Schiffer.

Podia tentar definir uma estratégia na minha vida para tentar conquistar a Claudia Schiffer, podia, mas provavelmente era uma estratégia errada, nunca lá chegaria, então é melhor ter outras estratégias. A política, às vezes, é dizer “eu quero casar-me com a Claudia Schiffer”, mas não é possível a política tem isto, tem este fanatismo, como o futebol.

E o que é que está a faltar à direita para poder chegar ao poder novamente com o PSD a liderar – que seria o óbvio, sendo que é o maior partido à direita? É programa, é líder?
É liderança, também. Há um problema real, vou dar-lhe um pequeno exemplo: o Rui Rio apresentou um programa, do qual eu discordo nas prioridades, sobre a redução fiscal, que diz isto: faço esta proposta se nada se alterar nos próximos anos. Ora, ele sabe, como eu e como todos nós, que tudo se vai alterar. Isto é, vamos ter inflação – nos Estados Unidos, em dezembro, foi 7,2%. A política de compra de obrigações do Banco Central vai diminuir fortemente – e Portugal tem pagado juros muito baixos por causa disso. Vai haver uma concorrência internacional cada vez maior. Portanto, a estratégia do Rui Rio é fazer propostas que são falsas, porque ele sabe que não as vai poder cumprir. Porque não tem coragem de afrontar uma solução, sabendo que não é popular. O problema dos impostos, que está na ordem do dia, para mim, é o problema real deste país.

Disse que discorda. O que é que deveria estar inscrito no programa?
Começaria pelo IRS, para reforçar a classe média, e não por baixar o IRC. Não estou a dizer que não deva baixar o IRC, mas há necessidade de ter prioridades. Aliás, cheguei a propor – ninguém ligou – e até fiz uma petição na Assembleia da República, que todas as famílias que ganhassem menos de 50 mil euros – que são a classe média: significa 25 mil euros por pessoa, são menos de 2 mil euros por mês. Isto não é uma pessoa rica, não é uma pessoa de classe média, é uma pessoa com enormes dificuldades a quem levam muito nos impostos. Então, o que eu dizia era um shot fiscal só para essas pessoas, reduzirem-lhes 25% do imposto sem se repercutir nos que ganham mais. E isso através do sistema de IVAucher, criaria consumo – são 2 milhões de pessoas -, permitiria poupanças, investimentos importantes na vida familiar. Isto era baixar, praticamente, 1% das receitas do Estado. É possível baixar com um bocadinho de eficiência e, costuma dizer-se que até a empresa mais bem gerida do mundo pode poupar 10% nos seus custos. O Estado não faz nenhum esforço de poupança. É preciso diminuir a receita do Estado para que seja obrigado a pensar racionalmente. Quando a Catarina Martins diz que é preciso pôr o dinheiro no Serviço Nacional de Saúde, todo o que seja preciso, não se pode ratear isto. Quando vejo uma pessoa sensata, como é o Rui Tavares, a fazer propostas completamente alucinadas, é porque ninguém pensa de onde vem o dinheiro que é necessário para estas medidas todas, vem dos nossos impostos. E o que acontece é que os que podem ir embora, vão. 

Somos um país que se está a transformar num país de terceiro mundo, porque a parte mais dinâmica da sociedade emigra todos os anos, os mais ambiciosos, os mais determinados, os mais capazes de fazer coisas. E tenho pena, porque sou português e gostava que se conseguisse fazer alguma coisa aqui.

E parece que os programas dos partidos não estão preocupados com a retenção desses jovens talentos?
Estão todos preocupados, mas não estão dispostos a fazer as mudanças. Havia um político que até diziam que bebia um bocadinho, que era do Luxemburgo, e era presidente da Comissão Europeia em fins de 2008 [Jean-Claude Juncker], que dizia “nós sabemos tudo o que temos de fazer para resolver os problemas que temos pela frente. O que não sabemos é como é que a seguir ganhamos as eleições”. Foi muito sincero. E o problema é esse, esquecerem-se de que muitas vezes se ganham as eleições fazendo aquilo que não se pensava que ia ser feito. Hoje, o tema dos impostos é o tema central da política portuguesa porque as pessoas começaram a olhar para o seu ordenado bruto. As pessoas, de uma forma geral, se lhes perguntarem quanto ganham dizem o líquido. 

 As pessoas estão resignadas a pagar uma brutalidade de carga de impostos, mas agora estão a pensar porque é que pagam tanto, porque é que não os reduzem. Mas os políticos são muito hábeis, muito inteligentes, é uma indústria onde é difícil sobreviver, portanto, são muito bons – por isso não menosprezo os políticos -, e eles perceberam que o ambiente está a mudar, e vai ver toda a gente a defender baixa de impostos, como eu ando a defender há seis anos. Manifestamente, estou otimista e contente.

Parece-lhe, com a pulverização que aconteceu, que haverá maior concentração de votos no PS e no PSD, ou este apelo de ambos os líderes ao voto útil já não faz sentido?
Acho que não faz sentido, mas eles vão fazê-lo, como é normal. E não faz sentido pelo seguinte: 144 deputados em Portugal, 144 de 230, portanto 60%, são eleitos em cinco distritos onde basta ter 4% (no caso de Lisboa, menos de 2%) para eleger um deputado. Não faz nenhum sentido uma pessoa que não goste do PS ou do PSD, ir votar no PS ou no PSD para que o outro perca. Fora destes distritos a coisa é diferente, como é óbvio.

 Em 13 distritos eleitorais, incluindo Europa e o resto do mundo, são eleitos 44 deputados, menos do que em Lisboa. Nesses distritos, exceto em Beja, onde o PC pode eleger um deputado, só o PS e o PSD podem eleger. Aí é normal que as pessoas votem no PS ou no PSD porque acham que a alternativa para eles é pior.

Mas acha que os eleitores fazem essas contas? Ou seja, um eleitor do CDS em Vila Real, ou do Bloco em Faro, quando vai votar não está a fazer essas contas…
Não sei, nunca falei com eles.

Pergunto-lhe se tem essa intuição.
Não faço ideia nenhuma, mas deviam fazer. Porque hoje, como as coisas estão, não há possibilidade nenhuma de maioria absoluta do António Costa e muito menos do Rui Rio. Portanto, é inevitável que haja acordos, coligações, apoios. Se eu acho que o PS é muito à direita, por exemplo, é absurdo que vá votar no PS, é melhor votar no Bloco de Esquerda, no PCP ou no Livre. Se eu achar que o Rio é muito à esquerda – estou a dar exemplos um bocadinho anedóticos -, faz pouco sentido votar nele, porque não vai aumentar resultado, porque cada um tem de ganhar as eleições com um bloco atrás. Isto é, o PSD só governa se tiver 116 deputados que são contra a alternativa PS – digo contra apenas por causa do Chega -, e o PS só consegue governar se tiver 116 deputados, exceto se o PSD o for apoiar. O PSD já disse que apoiaria, mas recentemente Rui Rio disse o contrário, no debate com o Cotrim de Figueiredo.

——

“Pensei que o BE ia fazer o que fizeram os Verdes na Alemanha e o PCP evoluiria de um partido de funcionários públicos a serem sustentados, para o dos danados da terra, dos menos favorecidos, dos emigrantes. Mas PCP e BE não se mexeram.

Esta pulverização de partidos no Parlamento, dez se contarmos com o PEV, é benéfica para a representação social ou é um falhanço dos partidos tradicionais?
É benéfica, é muito benéfica. As sociedades modernas são sociedades pluralistas, as sociedades evoluídas são pluralistas. A ideia de que uma pessoa tem de comprar ou carne ou peixe, sempre bife de carne ou sempre robalo, não é correto. Devemos ter uma palete de hipóteses à nossa frente e escolher. Repito, em sociedades pouco desenvolvidas é que há uma polarização apenas em duas alternativas, acho que é um sinal de desenvolvimento económico, político e social. O PEV é uma fantasia, o PEV é PCP, não misture coisas que não são misturáveis.

Estava a falar do ponto de vista formal, em que há dez partidos.
O ponto de vista formal não interessa nada. O PSD podia fazer cinco partidos e tinha imenso tempo de antena. Portanto, são nove e Deus queira que sejam eleitos os nove, Deus queira que seja eleito o Rui Tavares – não tenho nada em comum com ele, mas acho que acrescenta valor à Assembleia da República. Acho muito bem, acho muito positivo e as pessoas e os partidos têm de se habituar que os acordos são feitos caso a caso. Não há uma barreira cultural entre a esquerda e a direita, há mais barreira entre a direita e o Chega e o BE e o PCP do que o contrário. As coisas são o que são. O PCP e o BE foram trazidos para a área da governação, mas nunca largaram o elástico que os prendia ao modelo antissistema e antirregime. Largaram-se e voltaram para onde estavam, foram seis anos perdidos. Pensei que o Bloco sobretudo ia fazer o que fizeram os Verdes na Alemanha. Cheguei a pensar que o pobre Partido Comunista ia evoluir de um partido de funcionários públicos a serem sustentados, para um partido dos danados da terra, dos menos favorecidos, dos emigrantes. Um partido que estivesse a ser aquilo que se falava na Roma Antiga, o tribunício da plebe, isto é, um partido com uma função tribunícia, como foi defendido no século XX por alguns politólogos que estudei. Seja como for, o PCP e BE não se mexeram. Portanto, a grande barreira civilizacional e sociológica e política e ideológica, é entre o PS e a sua esquerda, e o CDS, a Iniciativa Liberal e o PSD e a sua direita, aí é que são as barreiras. Mas mesmo aí é possível as pessoas entenderem-se, e tem sido. Portanto, é perfeitamente normal num país desenvolvido e civilizado que amanhã haja hipótese de um governo entre PSD e BE ou entre PS e Iniciativa. É uma questão de negociarem, como aconteceu na Alemanha. Repare, na Alemanha, o Partido Liberal está muito à direita do partido liberal português.

Acha possível uma coligação semáforo em Portugal?
Não, evidentemente não é. Mas estou a dizer é que num país desenvolvido isso é normal. Negoceiam, abdicam daquilo que é mais diferente e preocupam-se em governar. Portanto, quando os Verdes, que são um partido de esquerda – muito mais moderada que o BE evidentemente, mas um partido de esquerda -, e o Liberal que é um partido claramente de direita, se unem numa coligação, isto é desenvolvimento, isto é evolução positiva no desenvolvimento político.

Vamos a um exercício algo futurista. Pelas suas previsões, como se farão as contas na noite eleitoral?
É muito difícil, posso dizer o que prevejo, mas enganei-me tantas vezes na minha vida que provavelmente vou enganar-me outra vez. Acho que o PSD vai ter menos deputados do que o PS, o PS não vai ter maioria absoluta, a esquerda – PS, BE e PC – vai ter mais de 116 deputados, os partidos mais pequenos de direita vão aumentar e mais do que se prevê. Estou a falar da Iniciativa Liberal, estou a falar do Chega e estou até a falar do CDS, embora no último debate, com o Ventura, o Francisco Rodrigues dos Santos tenha enlouquecido.

Enlouqueceu, não percebo o que é que se passou com aquele homem, foi o pior debate que alguma vez vi na televisão portuguesa em toda a minha vida. Os debates de futebol são mais civilizados. Foi um daqueles combates que às vezes víamos na televisão, com duas senhoras no meio da lama a atacarem-se, a agredirem-se e a arranharem-se – nunca fiquei para ver, mas já passei por aquilo e vi que isso acontecia -, foi um combate assim, de duas histéricas, os homens também são histéricos, eles são dois histéricos e levaram o seu histerismo além do que é razoável. Portanto, acho que o CDS terá um resultado melhor do que se esperava – felizmente para ele aquilo foi às 18h30 e ninguém deve ter visto.

Se Rui Rio perder esta eleição, como prevê, deve sair?
Não, porque se perder vai apoiar o governo do PS e acho que deve fazê-lo. Em fevereiro de 2019, ainda não havia pandemia nem se previa que haveria, defendi na televisão, um governo de Bloco Central para enfrentar os desafios do país. Sou totalmente contra, em abstrato – está a ver a tal história dos desejos e da realidade? Os problemas que o país enfrenta são de tal forma graves, que só podem ser resolvidos se houver um esforço muito grande daqueles que, bem ou mal, têm o apoio maioritário dos portugueses. Se o PS e o PSD juntos avançarem para resolver os problemas deste país, é natural que coisas pouco aceitáveis para a esmagadora maioria sejam pelo menos toleradas. Portanto, acho que ele vai apoiar o governo do PS, vai dar poder aos seus militantes. E o PSD evoluiu muito, é hoje um partido de gente mais velha do que há 40 anos, mais conservadora do que era há 40 anos, mais preocupada em não perder coisas do que em arriscar para obter outras. Deixou de ser um partido das classes médias em processo de ascensão social, passou a ser um partido muito mais focado em pessoas que têm um estatuto que querem manter, não é muito bom, não é muito forte, mas querem mantê-lo, têm medo de perder.

Portanto, quando ele diz que é um partido de centro ou de centro-esquerda, não é mentira. Isto é, quando em relação à educação vêm dizer que não é possível fazer concorrência entre a escola privada e a pública, em países mais desenvolvidos, partidos de esquerda acham que é. Não tem mal nenhum que se ache assim, é perfeitamente legítimo, é totalmente democrático, mas é um partido muito perto do PS. Em alguns países do Leste temos uma oposição e uma maioria que são ambas de direita, na Irlanda, os dois partidos principais eram os dois de direita. Portanto, não tem nada de mal que o jogo político seja feito entre dois partidos da mesma área ideológica – o que não é, é uma alternativa, alternância. Portanto, o PSD evolui para se aproximar do PS que é o que querem os seus eleitores, o seu núcleo duro. Portanto, o Rio vai sobreviver – não vai ter um resultado mau, antes pelo contrário – e, além disso, vai estar na área do poder que é a coisa que mais mantém os partidos tranquilos e unidos.

“Costa quer ter um futuro europeu e tem de se moderar, senão não vai a nenhum cargo importante. Por outro lado, sabe que o que tinha a fazer com a esquerda radical já não consegue fazer mais (…) É, como digo sempre, o oportunista-mor do reino, e vai virar à direita.”

Mas quando diz na área do poder está a admitir que haverá ministros do PSD no governo?
Não, não. O Costa nunca vai fazer isso. O que estou a dizer é que há muitas formas de estar na área do poder, tem-se falado da freguesia, do concelho, da zona isolada, um tipo que vai para o Centro Regional da Segurança Social, um tipo que vai para a empresa pública, há muito tachito.

Portanto, um acordo de cavalheiros, no fundo.
Sim. O Costa percebeu, quer ter um futuro europeu, e para ter um futuro europeu tem de se moderar, senão não vai a nenhum cargo importante. Por outro lado, ele sabe que tudo o que tinha a fazer com a esquerda radical já não consegue fazer mais, daqui para a frente, já é loucura. Ele é, como eu chamo sempre, o oportunista-mor do reino – que não é uma ofensa, porque do político que não é oportunista é que tenho muito medo, porque faz grandes disparates. Portanto, o António Costa vai manifestamente virar à direita, dizendo que está na esquerda. Dizendo, é retórica. Portanto, vai aproximar-se da área do PSD, e vai aproximar-se porque é aí que está a solução dos problemas, são soluções ali que se devem fazer. Acho que o Rio vai gostar do que vai ver e acho que é o que o Presidente da República quer. Também fui atacado por dizer que acho que é o que o Presidente da República quer, que o Costa ganhe, mas acho que ele quer.

Gostaria que ele quisesse?
Não é disso que estamos a falar. O que estou a dizer é que, de facto, o que Marcelo Rebelo de Sousa quer é que o PS governe apoiado no PSD.

E como é que tem visto a performance do primeiro-ministro, António Costa, nestes debates para as legislativas?
Acho que está fraco, muito cansado, muito incapaz de dar qualquer suplemento de alma aos portugueses.

Estará sem energia reformista?
Está sem energia, não é reformista nem não reformista, está sem energia. Aquilo é cansativo, andar no poder. De facto, ele não está a sair bem, os debates dele foram, de um modo geral, fraquíssimos. É claro que ele não quer cometer erros, não importa ganhar debates, quer é não os perder com erros sérios. Mas vai perder muito, não acredito nada que vá ter mais deputados do que teve há dois anos…

Se perder as eleições, Costa disse que sairia. Pode ser uma estratégia ou uma tática para a campanha?
É uma tática e é uma estratégia. É uma tática, no sentido de dizer que se tiver menos deputados que o Rui Rio se vai embora, é para encavar, é para dizer à esquerda que se não votam nele, vão ter Rui Rio. Mas se ele tiver mais deputados do que o Rio, ele não vai dizer que perdeu as eleições. A não ser que se queira embora, às vezes as pessoas dizem o que dizem porque qualquer pretexto serve. Mas não acredito que queira sair assim, pela porta do cavalo.

Como é que analisa os três novos partidos e as suas lideranças, nomeadamente o Chega, que parece ser um grande elefante na sala da casa comum da democracia?
Não conheço o André Ventura, vi-o há dias pela primeira vez na SIC, cruzámo-nos, cumprimentámo-nos, mas nunca o tinha visto ao vivo, cruzado ou falado com ele. É uma persona televisiva, criou um modelo, uma maneira de ser muito oriunda do futebol. Acho que ele é muito menos radical do que se pinta, é um oportunista à sua maneira – de novo, não é uma crítica – e encontrou um nicho de mercado, quer conquistá-lo e depois caminhar em direção ao centro para ser também governante, que é basicamente o que ele deseja. Não o vejo com um pensamento radical existente, nada disso. 

Mas agora ele é tão infrequentável como o BE era há 20 anos. Repare, o BE demorou 25 anos a chegar à área do poder. E não foi para o governo. O BE ainda hoje é trotskista. Não diz que é, mas quando se solta é o que sai. Mas deixou de falar disso. Há de haver uma altura em que o Ventura deixará de falar da castração química, da prisão perpétua, dessas coisas que fizeram o sucesso dele. Se não fizesse isso, ninguém ligaria a um senhor chamado Ventura. Assim como quando o BE defende a nacionalização de um conjunto de empresas era para tornar-se diferente dos outros. Mas agora esqueceu-se de defender isso. Só o Costa é que lhe lembra.

Disse que a direita só voltaria ao poder em 2026 ou 2027. Agora…
Sempre defendi que a direita devia preparar-se para o poder serenamente e tentar ganhar as próximas eleições. Tentou em 2019 e foi um erro. Devia ter tentado apresentar, na altura, o que está a apresentar agora. Projetos estruturados com alguma coisa alternativa à esquerda.

Uma libergeringonça, como agora se fala?
Não, não. Primeiro têm de conquistar as classes médias e só depois podem ganhar. Tentar ganhar sem conquistar as classes médias é fazer o mesmo que o PS, um bocadinho mais aguado. Não motiva ninguém. A direita agora está com condições de avançar para que, em 2026, possa apresentar-se como alternativa. Uma alternativa moderada, como é evidente, mas acho que está a haver uma evolução muito grande. Repare, as forças políticas da direita – em especial a Iniciativa Liberal – passaram a estar no centro do debate político. Passaram a ser criticados, apoiados, debatidos. Acho que o Cotrim de Figueiredo tem como defeito uma certa arrogância, mas é o mais articulado, o mais estruturado, dos líderes políticos portugueses neste momento. É o tipo mais preparado, de longe. E portanto tem sucesso nos debates. E é incrível, especialmente junto de gente nova – eu tenho filhos entre os 40 e os 50, e tenho netos, o mais velho já com 19 anos e o que me dizem é que é brutal nas gerações mais novas, há uma fuga para a IL. Se a IL for capaz de dar resposta aos anseios desta gente mais nova, tem grande futuro. Não quer dizer que ganhe ou governe, mas pode chegar a resultados muito interessantes. Isto recentra o jogo. Ainda ouvi há pouco tempo que defender o liberalismo é defender o fascismo – dito por jornalistas, incultos, como é óbvio.

Com isso que acaba de dizer, havendo um programa, ideias, alternativa, falta-lhe um rosto à direita?
Essas coisas demoram o seu tempo.

Mas precisam de um rosto?
Não, não. Precisam é de tempo. Repare, de repente apareceu um site onde se pode saber qual a diferença entre o que ganha e o que leva para casa. Nunca ninguém se tinha lembrado de fazer esse site. Isto é, “quanto é que você está a pagar de impostos?”. Ora bem, quando se começa a defender isto, começa a haver a ideia “deem-me o dinheiro; em vez de o Estado andar a gastar dinheiro para tratar de mim, dê-me o dinheiro que eu trato de mim”.

Mas em política, para conquistar alternativa, ou alternância, é preciso haver um rosto, alguém que corporize as ideias. Como fez Cavaco Silva, como fez José Sócrates.
Sim, mas se as condições para surgir uma solução alternativa existirem, os rostos aparecem.

Tem algum na cabeça?
Não tenho nem deixo de ter. Isso não interessa nada. O que digo é: o Cotrim de Figueiredo é uma figura marcante da política portuguesa. Não era há um ano ou há dois anos. E é por uma razão. A televisão não dava nem um minuto de antena, disse até na semana passada que os sete pequenos partidos – exceto o queridinho das redações, que é o BE -, durante estes 15 dias tiveram mais minutos para nos falar do que em dois anos. É preciso haver mais pluralidade. Ganhe a direita, ganhe a esquerda, ganhe o centro, não interessa. Mas oferta mais diversificada.

No caso do PSD precisará de dar tempo a Carlos Moedas para dar tempo de ser líder do partido?
O PSD está entregue ao Rui Rio e, volto a dizer, é muito provável que se mantenha, seja qual for o resultado. Se tivesse 24% – e não há nenhuma sondagem que o diga – seria diferente. Acho que vai ter um bom resultado. Acho que ganhou com aquele debate interno. Está forte, está motivado. Criou uma dinâmica e as pessoas acham que pode ganhar. Vão ter uma certa desilusão, mas não se vão zangar. E não vai perder a liderança do PSD. O PSD vai ser cada vez mais um partido de centro, à volta do centro-esquerda. 

E a direita vai-se emancipar do PSD. É normal. É assim em toda a Europa. Porque é que aqui havia de ser diferente?

Desfiliou-se do PS em 2006. Onde está hoje? É social-democrata, liberal, conservador, é de centro-esquerda, de centro-direita, nada disto, tudo e o seu contrário ou, como dizia, escolhe o seu próprio prato?
Sempre fiz assim. De facto, a proposta que faço de IRS só vi a extrema-esquerda preparada para a propor – aí estou de acordo com BE e PCP. Não tenho de me inserir numa estratégia. Posso dizer o que em cada momento penso. Se me perguntar se, num espectro amplo, estou basicamente numa zona mais próxima do PSD, mesmo de Rio, do que da IL… Nunca fui um liberal. E os meus sonhos de fazer revoluções e de mudar morreram quando percebi que aquilo que defendia, a tal reforma agrária e a nacionalização da banca, deu cabo do país, era uma loucura. Eu era um miúdo louco. À direita eu defendia a autogestão jugoslava. Achava que a melhor forma de ajudar as empresas era a autogestão. Desde muito novo só defendi aquilo que achava que devia defender. Queria que Portugal passasse a ser um país do terceiro mundo, que a capital fosse para Angola… São soluções tontas. Mas quando se tem vinte e tal anos é ótimo ter soluções tontas. Mau é não crescer.

https://www.dn.pt/politica/jose-miguel-judice-rio-nao-serve-para-primeiro-ministro-porque-nao-vai-conseguir-fazer-aquilo-a-que-se-propoe–14489757.html



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