FACTOR “EXóGENO” — 4 andamentos e um quinto andamento coxo | Jorge Nascimento Rodrigues in “Facebook”

1- Em princípios e meados de 2011 quando se falava do papel do factor “exógeno” (evolução da crise financeira internacional e das políticas ziguezagueantes da dupla Merkozy) e da “sincronização” da crise da dívida soberana nos PIIGS, uma parte dos comentadores irritava-se e insultava porque se desprezava a “sujeira interna”. O que valia era o factor endógeno, a situação interna, o resto era proteger o governo que conduzia à bancarrota.

2- Quando a maré política mudou, o factor exógeno continuou o seu caminho, empurrando a crise portuguesa até um pico de bancarrota iminente em 30 de janeiro de 2013. Então, já não havia crime nessa “exogeneidade”. A culpa de não haver milagre com a reeleição presidencial e a nova maioria governativa era do factor exógeno.

3- Depois os juros da dívida começaram a descer, e o factor exógeno desapareceu, de novo, de cena — agora era o sucesso do ajustamento “interno” que convencera os investidores. Os analistas independentes sublinhavam que era, uma vez mais, o factor exógeno que sobretudo tinha feito descer abruptamente os juros no mercado secundário em relação a Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, e mesmo Grécia. Os investidores baixaram o prémio de risco em relação aos periféricos, por duas razoes sucessivas: primeiro, a reestruturação da dívida grega decidida em dezembro de 2011 e o segundo programa de resgate a Atenas anularam o medo de uma saída do euro que pudesse provocar um efeito em cadeia; segundo, desde o verão, Draghi, à frente do BCE, anuncia um programa OMT que servia de bombeiro de ultima instancia aos investidores em caso de necessidade. É claro que nada destas coisas “exógenas” contavam para o que se estava a passar. A narrativa era que o sucesso do ajustamento dera frutos.

4- Subitamente a recessão prolonga-se na zona euro e qualquer “anomalia” política, como o caso Bárcenas em Espanha ou o tsunami recente eleitoral em Itália, afetam, de novo, os juros e o risco. Claro, a partir de agora, voltou o discurso do maldito factor “exógeno”. A culpa do desastre na própria aplicação do plano de ajustamento é culpa “lá de fora”. Do Berlusconi e do Grillo, até. Provavelmente da “incompetência” do professor Monti, essa figura reverendíssima que se verifica agora que entusiasma pouco mais de 10% do eleitorado italiano. Subitamente a “sincronização” dos efeitos pelos periféricos é o culpado. O factor exógeno regressou de alma e coração.

5- O mais espantoso é que os que culpavam o factor exógeno pelos PECs sucessivos e pela quase-bancarrota a que se chegou com o disparo dos juros para os 7% e acima, agora, agorinha, dizem que falar do factor exógeno é querer “limpar” a sujeira do factor interno, da governação atual.

Vá a gente entender esta gente incongruente. (uns dirão, vigaristas e intelectualmente desonestos, em português corrente).

Moral da história —
a) é evidente que o factor “interno” conta (como se vê bem exemplificado na Irlanda que tem crescimento e não recessão e que tem conseguido resolver os pendentes herdados da troika, como a questão das promissórias);
b) mas o determinante no filme da crise das dívidas soberanas desde 2009 é o contexto exógeno: a evolução das políticas de Bruxelas e do BCE desde 2009, desde a dupla Merkozy e as políticas sucessivas, contraditórias, que foram defendendo para a zona euro, bem como o dogmatismo de Trichet e dos banqueiros centrais e dos fãs do austerismo monetário e orçamental convencidos que seria benigno passando pelo erro do FMI no multiplicador implícito, até às manobras que Draghi tem feito para salvar a honra do convento;
c) estando nós subordinados a uma zona monetária e pertencendo a uma União, o determinante é a condução política a esse nível;
d) mesmo sendo bom aluno, os resultados macroeconómicos são péssimos e até os “sucessos” no mercado da dívida são condicionados pelos eventos à escala europeia, como agora bem se vê.

Jorge Nascimento Rodrigues

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