UCRÂNIA | BOM-SENSO E SANGUE FRIO, PRECISAM-SE | PARA RESOLVER A CRISE NA UCRÂNIA, COMECE PELO FIM | Por Henry A. Kissinger, no Washington Post, 5 de março de 2014

A discussão pública sobre a Ucrânia tem tudo a ver com confronto. Mas sabemos para onde vamos? Na minha vida, vi quatro guerras começarem com grande entusiasmo e apoio público, todas as quais não soubemos como terminar e de três das quais nos retiramos unilateralmente. O teste da política é como ela termina, não como começa.

Com demasiada frequência, a questão ucraniana é apresentada como um confronto: se a Ucrânia se junta ao Oriente ou ao Ocidente. Mas para que a Ucrânia sobreviva e prospere, não deve ser o posto avançado de nenhum dos lados contra o outro – deve funcionar como uma ponte entre eles.

A Rússia deve aceitar que tentar forçar a Ucrânia a um status de satélite e, assim, mover as fronteiras da Rússia novamente, condenaria Moscovo a repetir sua história de ciclos auto-realizáveis ​​de pressões recíprocas com a Europa e os Estados Unidos.

O Ocidente deve entender que, para a Rússia, a Ucrânia nunca pode ser apenas um país estrangeiro. A história russa começou no que foi chamado de Kievan-Rus. A religião russa se espalhou a partir daí. A Ucrânia faz parte da Rússia há séculos, e suas histórias estavam entrelaçadas antes disso. Algumas das batalhas mais importantes pela liberdade russa, começando com a Batalha de Poltava em 1709, foram travadas em solo ucraniano. A Frota do Mar Negro – o meio da Rússia de projetar poder no Mediterrâneo – é baseada em arrendamento de longo prazo em Sebastopol, na Crimeia. Até mesmo dissidentes famosos como Aleksandr Solzhenitsyn e Joseph Brodsky insistiam que a Ucrânia era parte integrante da história russa e, de fato, da Rússia.

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A questão da Ucrânia – um palco | Carlos de Matos Gomes | in The Blind Spot

03/03/2022 | A inutilidade da moral para ler a guerra

Todas as guerras são condenáveis, a paz é um bem inestimável, todos os povos têm direito a escolher os seus destinos, todos os combates causam sofrimento, mortes, destruições e deslocações. A guerra é sempre uma amálgama de corpos, de sangue e de ruínas. Todos os seres humanos dotados de um mínimo de humanidade são contra a guerra. Contudo, a guerra é a mais antiga e continuada ação humana. A condenação moral da guerra nunca evitou a guerra, nem construiu a paz.

O primeiro dado de partida para a análise de qualquer guerra é não haver moral, mas apenas interesses. Os direitos dos povos e a moral não são elementos do jogo. Nunca são. Na Ucrânia não se defende a liberdade, nem o direito, como não se defenderam esses valores noutras invasões próximas de nós no tempo, a do Iraque, do Afeganistão, da Líbia, da Síria. Como não foram para os defender que se desencadearam as guerras no Vietname ou, mais atrás, as invasões da Hungria e da Checoslováquia. Como, ainda mais atrás, não foi pela defesa de valores morais que ocorreu a divisão da península da Coreia.

O segundo dado é o de a guerra ter como motivo a conquista de vantagens, ou a defesa de situações e de os pretendentes à conquista desses dois objetivos estarem dispostos a utilizar a violência para os alcançar. Não há guerra sem violência.

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Por quem dobram os sinos em Kiev? | por Carlos Branco, general e Investigador do IPRI-NOVA

IPRI-NOVA – Instituto Português de Relações Internacionais | http://www.ipri.pt/index.php/pt/

A explicação para os acontecimentos em curso na Ucrânia não se encontra em abordagens maniqueístas dos bons contra os maus, mas sim na geoestratégia, que tem influenciado de modo decisivo a política externa das grandes potências.

A compreensão dos acontecimentos presentemente em curso na Ucrânia exige um escrutínio dos factos, que vá para lá dos sound bites estridentes que confundem desinformação com informação, fazendo da verdade a primeira vítima da guerra, como uma vez alguém escreveu. De facto, estamos perante dois assuntos distintos, embora correlacionados: a proteção da população russa da Ucrânia, e a expansão da NATO para Leste, subsumindo-se o primeiro neste último.

A explicação não se encontra em abordagens maniqueístas dos bons contra os maus, mas sim na geoestratégia, que tem influenciado de modo decisivo a política externa das grandes potências.

Isso é bem visível no caso norte-americano. A política da contenção da União Soviética adotada por Washington, nos tempos da Guerra Fria, elaborada e desenvolvida por George Kennan, o arquiteto da estratégia americana para conter a União Soviética, fortemente inspirada nos trabalhos do geoestratega Nicholas Spykman, é um flagrante disso.

Mais recentemente, Zbigniew Brzezinski, conselheiro nacional de segurança do presidente Jimmy Carter, avançou no seu livro “The Grand Chessboard” (1997), com a teoria dos pivôs geopolíticos, considerando a Ucrânia um desses pivôs.

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