Alargamento da União Europeia – Já! | Carlos de Matos Gomes

O conflito da Ucrânia levantou questões reveladoras da frágil camada de verniz racional que cobre o núcleo de interesses dos Estados e dos nossos amados líderes.  A racionalidade é apenas uma versão do interesse. No fundo, os dirigentes políticos andam atrás da turba e a turba age à voz. Corremos à frente dos nossos tambores e cornetas.

O oferecimento dos dirigentes da Ucrânia parra entrarem como membros da União Europeia e a resposta dos dirigentes da União é exemplar do ponto de barganha em que os Estados se movem.  Há uns meses a UE discutia as violações aos princípios do Estado de Direito pela Hungria e a Polónia. Agora, perante a Ucrânia são exemplos de comportamento democrático!

A Ucrânia aproveita a invasão Russa para fazer um ultimato moral: ou entramos para a União Europeia e para a NATO ou a União Europeia é cúmplice dos resultados do nosso interesse em pertencer a essas duas alianças que nos garantem negócios em segurança.

É uma atitude inteligente e reveladora de bom domínio das emoções alheias por parte do regime ucraniano.  Ninguém na Europa da boa vida gosta de ver edifícios esventrados, multidões em fuga. Há que aproveitar enquanto as emoções estão a quente. Zelensky aproveitou.

Mas a adesão da Ucrânia à NATO e à União Europeia coloca a questão: porque não admitir, então, a Turquia na UE?  O regime político da Ucrânia é mais “democrático” que o da Turquia? É que a Nato é, desde que Portugal se fez democrático, uma aliança de democracias… em tese, claro. A relação entre negócios e política na Turquia de Erdogan mais transparente que a dos oligarcas ucranianos com o regime chefiado por Zelensky?

Dir-me-ão, a Turquia é muçulmana, com uma religião de Estado determinante da política. Nesse aspeto é muito diferente do Estado teocrático da Polónia? E, já agora o Reino Unido também é uma teocracia… simpática, mas é… e saiu da UE, mas pertenceu ao clube vários anos…

Eu sempre fui contra a entrada da Turquia na União Europeia, mas perante esta febre de competidores para mostrarem que são cada um mais ucranianos que os outros, entendo que a Turquia deve ser admitida. E já agora e porque não a Bielorrússia? O Lukashenco é mais independente da Rússia do que o Zelensky dos Estados Unidos?

Juntemos num pacote, que fica mais económico, o Zelensky, o Erdogan e o Lukashenco. Haja algum coerência e não se levem as propostas muita sério até elas  servirem para promover algum negócio.

Os cidadãos europeus merecem quem os dirige com tão elevados princípios.

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Matos Gomes

A explicação da loucura, ou a explicação da ignorância ou a explicação das duas circunstâncias | Rodrigo Sousa e Castro

George Kennan, indiscutivelmente o maior estrategista de política externa dos Estados Unidos, o arquiteto da estratégia americana de guerra fria. Já em 1998, ele advertiu que a expansão da OTAN era um “erro trágico” que deveria provocar uma “má reação da Rússia”.

Depois, há Kissinger, em 2014

 Ele alertou que “para a Rússia, a Ucrânia nunca pode ser apenas um país estrangeiro” e que o Ocidente, portanto, precisa de uma política que vise a “reconciliação”. Ele também foi inflexível que “a Ucrânia não deve aderir à OTAN”

Este é John Mearsheimer – provavelmente o principal estudioso geopolítico nos EUA hoje – em 2015:

 “O Ocidente está levando a Ucrânia pelo caminho da primavera e o resultado final é que a Ucrânia vai ser destruída [… ] O que estamos fazendo é de fato encorajar esse resultado.”

Este é Jack F. Matlock Jr., embaixador dos EUA na União Soviética de 1987-1991, alertando em 1997 que a expansão da OTAN foi “o erro estratégico mais profundo, [encorajando] uma cadeia de eventos que poderia produzir a mais séria ameaça à segurança [ …] desde o colapso da URSS”

Este é o secretário de Defesa de Clinton, William Perry, explicando em suas memórias que para ele o alargamento da OTAN é a causa da “ruptura nas relações com a Rússia” e que em 1996 ele se opôs tanto a isso que “na força de minha convicção, considerei renunciar “.

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COMO CHEGÁMOS AQUI? / OPINIÃO | por Boaventura Sousa Santos

Como chegámos aqui?

Apostados em não reconhecer o seu declínio, desde a saída caótica do Afeganistão ao medíocre desempenho na pandemia, os EUA insistem em fugas para a frente, e nessa estratégia pretendem arrastar a Europa.

Boaventura de Sousa Santos in Público

25 de Fevereiro de 2022

A soberania da Ucrânia não pode ser posta em causa. A invasão da Ucrânia é ilegal e deve ser condenada. A mobilização de civis decretada pelo presidente da Ucrânia pode ser considerada um acto desesperado, mas faz prever uma futura guerra de guerrilha.

Putin deveria ter presente a experiência dos EUA no Vietnam: o exército regular de um invasor, por mais poderoso que seja, acabará por ser derrotado, se o povo em armas se mobilizar contra ele. Tudo isto faz prever incalculáveis perdas de vida humana inocente. Ainda mal refeita da pandemia, a Europa prepara-se para um novo desafio de proporções desconhecidas. A perplexidade perante tudo isto não poderia ser maior.

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Maria João Cantinho e a arte de esculpir poemas | por Adelto Gonçalves

                                                 I

       Autora consagrada na área ensaística, especialmente com livros sobre o filósofo e sociólogo alemão Walter Benjamin (1892-1940), Maria João Cantinho (1963) chega ao seu quinto livro de poemas com Escopro e Luz (Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2021), afirmando-se como uma das maiores poetisas (e por que não poetas?) da Língua Portuguesa dos séculos XX e XXI. Mas isto não significa que atue de maneira independente numa e noutra área do pensamento.

            Pelo contrário. Em sua poesia, percebe-se o desencanto da poetisa com o mundo em que lhe coube viver, como se visse a História pelas lentes de Walter Benjamin que, em sua crítica ao progresso, prognosticara períodos de crescimento seguidos de outros de barbárie e selvageria, antevendo o retrocesso europeu e norte-americano dos tempos atuais, o que inclui também a época de desconstrução e desagregação social por que passa o Brasil de hoje.   

            Como já anteviu o professor José Cândido de Oliveira Martins, da Universidade Católica Portuguesa, em alentado e percuciente ensaio-introdutório de 12 páginas escrito à guisa de prefácio, a palavra poética de Maria João Cantinho “tem o misterioso poder de ajudar a cicatrizar a ferida aberta, regenerando e revitalizando o corpo sofrido, assim plasmado no corpo do poema ou da poesia”. Afinal de contas, diz o professor, são estas vozes (da poesia, das lembranças da infância ou de outras proveniências) que nos resgatam da iminência do naufrágio – “São as vozes que nos salvam”.

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O FIM DE UMA ERA / OPINIÃO | Página da cooperação com o Ocidente foi ‘virada’ | por Fyodor Lukyanov | in Mural de Carlos Fino

Página da cooperação com o Ocidente foi ‘virada’

Por Fyodor Lukyanov, editor-chefe da Rússia em Assuntos Globais, presidente do Presidium do Conselho de Política Externa e de Defesa e diretor de pesquisa do Valdai International Discussion Club.

Fonte – RT

A intervenção militar da Rússia na Ucrânia marca o fim de uma época na situação global depois que o presidente Vladimir Putin lançou a ação na semana passada. Seu impacto será sentido nos próximos anos, mas Moscovo se posicionou para “tornar-se um agente de mudança fundamental para o mundo inteiro”.

A operação das Forças Armadas Russas na Ucrânia marca o fim de uma era. Começou com a queda da União Soviética e sua dissolução em 1991, quando uma estrutura bipolar bastante estável foi derrubada pelo que veio a ser conhecido como a “Ordem Mundial Liberal”. Isso abriu o caminho para os EUA e seus aliados desempenharem um papel dominante na política internacional centrada na ideologia universalista.

A crise se manifestou há muito tempo, embora não tenha havido resistência significativa das grandes potências que ficaram insatisfeitas com sua posição no novo campo de jogo político. De fato, por muito tempo (pelo menos uma década e meia), praticamente não houve oposição. Os países não ocidentais, nomeadamente a China e a Rússia, envidaram esforços para se integrarem na hierarquia.

Pequim conseguiu não apenas fazer isso, mas também aproveitou a situação para se firmar como jogador dominante. Moscovo, no entanto, saiu muito pior e levou mais tempo para se ajustar a essa nova ordem mundial e consolidar um lugar respeitável em suas fileiras.

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Uma simples conjectura | Rodrigo Sousa e Castro

Os economistas liberais neocons que gizaram a globalização e que através do dumping social e financeiro, das offshores  e do aumento exponencial das desigualdades com a criação de uma casta de oligarcas, bilionários e outra gatunagem, acreditam agora no cerco económico á Rússia.

Esquecem-se q a China receberá no seu “leito  de núpcias” cuidadosamente preparado, todo o potencial energético, de matérias primas essenciais e toda a  tecnologia militar e espacial da Rússia.

Veremos a criação de um bloco, á escala planetária com mais recursos económicos, territoriais e demográficos. A China anexará finalmente Taiwan e desafiará a potência marítima (EUA) que mesmo com a sua “bielorussia”, leia-se UE á trela, terá que aceitar a primazia do bloco asiático.

Claro que isto é uma simples conjectura, nem lhe chamo análise para não ferir o academismo e arrogante sapiência dos comentadores (boa parte deles) que ouvimos na nossa CS. Mas se Deus me der alguns anos de vida logo verei se tinha ou não á data de hoje as ideias bem arrumadas.

Retirado do Facebook | Mural de  Rodrigo Sousa Castro