VÊM AÍ OS RUSSOS | Paulo Sande

São tantas e tão variegadas as opiniões sobre o iminente ataque da Rússia à Ucrânia, que confesso a minha dificuldade em contribuir. Mas estou desde o início céptico sobre a possibilidade de um ataque – e suspeito que a sua iminência não passa de um mero recurso de intimação no âmbito de um processo negocial que é a um tempo político, diplomático, estratégico e económico. No fundo, é mais uma questão de eminência do que de iminência.

Permitam-me uma breve e limitada análise.

A GEOPOLÍTICA E A UCRÂNIA

O país onde a civilização russa (“Rus”) nasceu é hoje um nó geopolítico sobre o qual giram os interesses opostos de dois pólos de poder mundial – os EUA e aliados, a Rússia e aliados. De facto, a Ucrânia é um corredor entre a Europa ocidental e a Ásia, através do qual a Rússia faz passar uma parte importante da energia que exporta.

Apesar das muitas narrativas divergentes, trata-se de um Estado frágil, com problemas demográficos crescentes, cuja população se divide entre russófonos, a sul e leste, e ucranófonos, a norte, sem que haja uma correspondência perfeita entre russófonos e russófilos e entre ucranófonos e russófobos. Mas a tendência é essa, o que permitiu a fácil e quase não contestada internamente anexação da Crimeia.

A divisão tem mais a ver com o idioma usado, do que com a pertença étnica, que é a mesma.

E foi este o país que, ao anunciar a disponibilidade para considerar a adesão à NATO, despoletou a presente crise, como o anúncio da celebração de um acordo comercial aprofundado com a União Europeia em 2014 levou à invasão da Crimeia.

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O SEXO DOS ANJOS OU A OPORTUNIDADE PERDIDA | Paulo Sande

A campanha eleitoral chega ao fim. Entretanto, das longínquas fronteiras eslavas ecoam sons de guerra. A NATO está pronta, anuncia o seu secretário-geral. E em Portugal, o que se disse sobre essa eventualidade?

O SEXO DOS ANJOS OU A OPORTUNIDADE PERDIDA

28 de maio de 1453. Constantinopla, a capital do Império Bizantino, a pérola do Levante, o símbolo da Cristandade na fronteira oriental, está cercada por 80 mil turcos comandados por Mehmed II. O imperador Constantino XI, último de seu nome, resiste desesperadamente, à cabeça de 7 mil homens mal-armados.

Em concílio, enquanto os soldados morrem, na Santa Catedral de Sofia, a igreja da Santa Sabedoria, os clérigos cristãos, hesicastas e místicos, reunidos no âmbito da Escola Patriarcal, discutem um assunto fundamental para o futuro da humanidade:

Que sexo têm os anjos?

SOAM OS TAMBORES DE GUERRA

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O SALÁRIO DOS POLÍTICOS | por Paulo Sande

Eu preciso de o dizer. Alheio como tenho estado, por opção pessoal, a comentar o período pré-eleitoral, tenho ainda assim de o dizer.

E vou dizê-lo, por muito que isso me prejudique (sei lá se prejudica).

As propostas que por aí se ouvem para reduzir o salário dos políticos – ministros, deputados, vereadores -, esses “malandros”, para além de serem uma espécie de epítome da demagogia política, são enganadoras e até perigosas.

É uma causa comum das esquerdas mais à esquerda e das direitas mais à direita: baixe-se o salário dos políticos, esses “malandros”.

Tenho de o dizer! À cautela, contudo, di-lo-ei utilizando o método socrático do questionamento, para desde logo tolher o passo ao sofismo inevitável que tudo pretende saber e sobre tudo perora, altissonante – escamoteando o quão complexo é o assunto.

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AUKUS: UM ACORDO PARA ACORDAR A UNIÃO EUROPEIA | Paulo Sande

Não podia vir mais a propósito.

Três países – EUA, Reino Unido e Austrália, aliados antigos, um dia depois de Ursula von der Leyen ter feito o seu discurso da União e apelado à Europa da Defesa, anunciaram um acordo de segurança que é, na opinião de muitos especialistas de segurança, o maior desde a 2ª guerra mundial.

O AU – (u)K – US (AUKUS) formaliza a cooperação de defesa entre estes países na região do Indo-Pacífico e foca-se na capacidade militar, com dimensões como a cibernética, tecnologias quânticas, inteligência artificial. E depois (ou antes) há os submarinos.

1. SUBMARINO AO FUNDO

A compra de submarinos nucleares pela Austrália, o investimento mais caro de todo o acordo, criou um incidente diplomático com a França. Não admira, pois fica em causa o contrato (de 2016) de venda de 12 submarinos convencionais por parte da França à Austrália que, com este acordo, compra submarinos nucleares aos EUA (que pela 2ª vez apenas partilham a sua tecnologia submarina), tornando-se o 7º país do mundo a tê-los.

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UM DISCURSO COM ALMA SOBRE O ESTADO DA UNIÃO | de Ursula von der Leyen | Paulo Sande

“Se sembra impossibile allora si può fare”

Como todos os anos, ritual inaugurado pelo muito nosso (salvo seja) Durão Barroso, quando Presidente da mesma Comissão, Ursula von der Leyen, actual incumbente no cargo, pronunciou ontem, 15 de setembro, o seu discurso da União – em 2021, num ano ainda duro, dolorosamente presente, de futuro indecifrável, onde mora o medo mas também a coragem, o desânimo mas também a esperança.

Aqui ficam dez apontamentos sobre este discurso – um grito pela Alma da Europa.

1. A Europa, em tempo de pandemia, assegurou o acesso praticamente simultâneo de todos os países europeus à vacina. E foi a única região a partilhar metade das vacinas com o resto do Mundo (700 milhões de doses para os europeus, 700 milhões espalhadas pelo globo). E mais de 70% dos adultos europeus estão vacinados. E o projeto europeu HERA, num investimento de 50 mil milhões €, visa garantir que nenhum vírus transformará no futuro uma epidemia local numa pandemia global.

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Moderados, uma espécie em extinção? Paulo Sande

1 Os partidos políticos em Portugal vivem sob o signo da inquietude, com dúvidas existenciais sobre o que fazer para assegurar aquilo para que existem, isto é, para conquistar o poder e, depois, mantê-lo. A todo o custo. Custe o que custar, mesmo que isso implique coligarem-se com partidos cuja ideologia execram ou renegarem os eleitores que os elegeram, para satisfazer os mecenas ou sublimar a mais recente, embora efémera, agenda da moda. Temem, se falharem, pela razão de ser da sua existência enquanto partidos políticos. A qual é, como escrevi, conquistar o poder e mantê-lo, a todo o custo.

2 Só que não é. Não que o não seja vezes demais, mas porque não deve ser assim. Não pode ser. Os partidos e os políticos que abandonam os seus eleitores – prometem, sabendo que não cumprirão, traem, escolhendo o poder em detrimento do bem público – não cabem na democracia do século XXI. Que não pode ser igual à do século XX.

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MOÇAMBIQUE A URGÊNCIA DE AGIR Paulo Sande

Há alguns meses escrevi e partilhei um texto sobre Moçambique, mais particularmente sobre o norte de Moçambique, a pedir ao governo – e a quem tem poder para isso, neste Mundo de poderes múltiplos em que o mais poderoso, quiçá, é o do dinheiro – que interviesse com urgência para proteger e mitigar o sofrimento dos nossos amigos. Dos nossos irmãos moçambicanos.

Desde então, piorou a situação e nada de intervenção (a cacofonia, para os menos sensíveis à sinestesia, é propositada). Só notícias, mais notícias, sobre crianças decapitadas e outras bonomias.

O horror é o horror é o horror. Claro que à distância e praticado sobre gente miserável que nada tinha e a quem, imagine-se, até esse nada foi tirado, é tudo mais confortável e choramos, com denodo e sinceridade, lágrimas de crocodilo. “Coitados”, e segue a dança.

Conheço bem os argumentos que se opõem a uma ação mais firme por parte de Portugal ou os dos que a consideram impossível ou inútil. Eis alguns deles e a resposta possível.

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SOFAGATE | A IMORAL MORALIDADE DA EUROPA | Paulo Sande

NÃO

Não aceitamos que o passado esclavagista da Europa, cujos epígonos são sobretudo portugueses, britânicos, espanhóis, franceses, permaneça vivo nos livros de História (e até nas histórias sussurradas de geração em geração). Em nome da moralidade e dos princípios, não o podemos aceitar, ainda que tenha sido essa mesma Europa a proclamar a imoralidade da escravatura e a decretar “urbi et orbi” a sua abolição.

MAS SIM

Toleramos o passado esclavagista de outros continentes, países e regiões, onde ainda hoje milhões de seres humanos vivem em condições que, quando não são de escravatura, são-no da mais abjeta servitude.

NÃO

Não aceitamos que as mulheres, a outra metade da Humanidade, sejam tratadas como seres de segunda categoria, sexualizadas para além da decência (um prolongamento da moral feita ética), maltratadas e abusadas. “Me too” e outros movimentos, todos de origem ocidental, o que é quase o mesmo que dizer europeia, decretaram respeito, consensualidade, tratamento igualitário. E se há abusos e excessos, o princípio é sagrado – homens e mulheres, iguais perante Deus, a sociedade, a lei.

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Prazo de validade: Velho | Paulo Sande | in EURATÓRIA

  1. Uma pandemia não é um acontecimento frequente. Infelizmente, poucas tiveram o alcance, o impacto e as consequências (previsíveis) da resultante do SARS-COV-2, vulgo COVID 19. A peste negra, no século 14, provocada pela bactéria yersinia pestis, que matou mais de 75 milhões de pessoas. A vibrio cholerae, bactéria da cólera, cuja primeira manifestação global, de 1817, vitimou centenas de milhares. A gripe espanhola, causada por um subvírus da influenza, que não falava espanhol mas matou, em cerca de quatro anos, mais de 50 milhões de pessoas no mundo inteiro, a maior parte das quais jovens adultos.  E agora o COVID 19, cuja mortalidade se avizinha do milhão e meio.

CARTA DE AMOR A MOÇAMBIQUE | Paulo Sande

1. Os telejornais inteiros cheios de Covid e suas sequelas. Um cheirinho de Trump, alguma coisa de Biden, quase nada de tudo o resto. Futebol, sempre, mesmo esventrado. De Moçambique, reportagens rápidas, friamente compungidas, a despachar. Temos de fazer muito melhor.

2. Vivi em Lourenço Marques alguns anos, quando ainda se chamava assim. Passei duas férias grandes – quatro longos meses de verão – em Nampula, na adolescência, um tempo de primícias e promessas. Fundei a primeira Câmara de Comércio com um país africano lusófono, justamente Moçambique e fui o seu primeiro Presidente. Visitei o país dezenas de vezes em três anos.

3. Assassinos a quem chamam “al-shabab”, mas que não deviam ter nome porque não podem ter nome os seres sem alma nem rosto, tão feios são, há meses que matam, violam, destroem, roubam. São maka, como os macuas chamam aos muçulmanos do litoral, ou talvez sejam tumpurawus (tubarões) de duas pernas que chegam das terras do norte, fanáticos, ou simplesmente baratas, praga difícil de exterminar.

4. Horrorizaram-nos as torres a desabar como castelos de cartas, fomos todos Charlie Hebdo até à exaustão, chorámos lágrimas sentidas pelos inocentes do Bataclan e os mortos de Paris, revendo dezenas de vezes as imagens e a imaginar o medo, o sofrimento, escandalizámo-nos com os degolados de Nice, os sacrificados de Viena de Áustria. Os nossos irmãos europeus.

5. Moçambique, sobretudo aquele norte distante onde em tempos morreram tantos portugueses – e moçambicanos – a lutar por uma causa em que acreditavam, aquele norte que nos soa a qualquer coisa quando nos falam de Mueda, de Pemba, a capital da província de Cabo Delgado, das Quirimbas (belo e ensanguentado arquipélago), do Rovuma que é fronteira com a Tanzânia, esse norte merece-nos um rápido “que horror”, um breve “coitados”, um capilé de palavras sem alma e depois de volta ao jantar que o recolher obrigatório não espera.

6. Devíamos ligar mais a Moçambique, ao que se passa no seu norte? Às vinte pessoas mortas nos últimos dias, aos milhares assassinados nos últimos meses, a tiro, à catana, degoladas, espancadas? Lamentar os inocentes, homens, mulheres, crianças, sacrificados em Mucojo, Naunde, Pangane, Nambo, na Ilha Mais? Preocupar-nos com os assaltos às penitenciárias de Mocímboa da Praia e Mieze? Com os mais de 300 mil deslocados?

7. Portugal tem uma obrigação moral. Tem uma obrigação política. Tem uma obrigação humanitária. Tem uma obrigação para consigo próprio e com o seu passado.

8. Acreditem: conheço-os, não certamente muito bem, mas sei do seu carácter afável e da sua hospitalidade. São gente boa e isso não é dizer qualquer coisa, isso é dizer tudo. A palavra Portugal tem valor em Moçambique. Os moçambicanos gostam maningue dos portugueses (eu sei). Façamos desse valor fortuna, ajudando. Preocupando-nos.

9. O país apelou à comunidade internacional, a ministra moçambicana dos negócios estrangeiros reuniu-se com o corpo diplomático em Maputo e exigiu a condenação inequívoca do terrorismo; cooperação para o eliminar; apoio no controlo de fronteiras (as belas mas ó tão permeáveis fronteiras marítimas e terrestres do país longo, tropical, coralífero); no combate ao crime organizado; na cibersegurança. E o mais importante: no apoio humanitário. Fome, doenças diarreicas, milhares de deslocados a precisar de ajuda.

10. Portugal pode fazer mais? Há certamente limitações para a ajuda que podemos dar, sejam elas diplomáticas, logísticas, financeiras, militares. Mas temos a obrigação de ajudar tanto quanto essas limitações permitam. E se calhar ultrapassá-las. Senão, não vale a pena continuarmos a encher a boca com retóricas desgarradas sobre a amizade com os povos irmãos lusófonos. É tempo de mostrar que a alma – a grande e antiga alma lusitana – não é pequena, mas generosa, grata e solidária.

Ororomela (esperar com esperança) …

Retirado do Facebook | Mural de Paulo Sande

Acórdão do Tribunal Constitucional Alemão sobre o programa de compra de ativos do BCE | Texto de José Luís da Cruz Vilaça | Introdução de Paulo Sande | in Facebook

Este texto resume o essencial da análise feita por José Luís da Cruz Vilaça ao acórdão do Tribunal Constitucional Alemão sobre o programa de compra de ativos do BCE.
Antigo Juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia, seu Advogado Geral e primeiro Presidente do Tribunal de Primeira Instância, atual Tribunal Geral da União Europeia, Cruz Vilaça é dos portugueses mais abalizados para interpretar o referido acórdão nos seus devidos termos e consequências
O TC alemão ultrapassou várias linhas vermelhas
1. O acórdão do 2º Senado do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (adiante “TC alemão”), de 5 de maio, sobre o programa PSPP – Public Sector Purchase Programme (programa de compra de ativos do setor público em mercados secundários) do Banco Central Europeu (BCE), provocou ondas de choque em toda a Europa. Não é caso para menos: o debate jurisdicional entre o TC alemão e o Tribunal de Justiça da União Europeia(adiante “TJUE”) suscita, inevitavelmente, a questão essencial de saber se é possível evitar o risco de desagregação constitucional na UE.

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